sexta-feira, 15 de maio de 2015

Autoestima, Feminismo e contradições de cada dia


Autoestima, Feminismo e contradições de cada dia

Postado em: 03/10/2013 por: Isabela Casalotti


Texto de Isabela Casalotti.

Sabe os padrões de beleza? Aqueles que já conhecemos e tanto criticamos. Isso, as capas de revistas, a gordofobia, o racismo, o sexismo, a cis-hetero-normatividade, o capacitismo… Esses estão na ponta da língua de nossas críticas. Nós, feministas, olhamos com admiração as mulheres empoderadas com seus corpos. Depois de um acolhimento, sabemos o que dizer para aquela amiga que diz estar descontente com sua aparência física.

Até que você, feminista, louca de vontade de tirar a roupa e ir a praia, olha no espelho e se desespera. Simplesmente se acha feia porque está fora dos padrões. Isso, aqueles lá: falta aqui, sobra ali, celulite, estria, varizes, pelos, cravos, “defeitos”. Cada detalhe ali, que no discurso é “parte de você, da sua história”, a seus olhos é a autoestima descendo ladeira abaixo.

A julgar pelas postagens cotidianas que vejo nas redes sociais, arrisco dizer que não sou feminista solitária nesse barco. E compartilho meu desabafo de como é encontrar-se nessa contradição. Olho para a amiga gorda e acho linda. Por que, então, me encolho quando uma mão carinhosa se aproxima da minha barriga?

A Kindumba da A.N.A, por Chiquinha no Facebook.

Dia desses, no meio de uma crise de baixa autoestima, com muitos ataques e críticas pesadas a mim mesma, uma pessoa querida disse: “se você se acha feia por ter engordado é porque, de alguma forma, considera que ser gorda é feio”. Eis que a contradição se revelou óbvia. Oras, se esperneio porque meu cabelo está crespo, é porque acho, em algum nível, que cabelos crespos não são bonitos. Isso vale para qualquer parte do corpo.

E a contradição dói. Porque racional e conscientemente acho todas as mulheres bonitas. Para olhar além disso, tem que ter um pouco de coragem para entender o que e por que está sendo reproduzido. Reproduzir os padrões é reproduzir as opressões mais estruturais e isso é feito o tempo todo. Por onde andamos encontramos receitas infalíveis para enquadrar.

Você conta que engordou dez quilos nos últimos seis meses. É o pão, é a cerveja, é emocional, é falta de academia. Você tem usado drogas? É o anticoncepcional, melhor parar. Não pare de tomar anticoncepcional, vai ficar cheia de espinha. Não coma batata, não beba suco de laranja, é calórico, sabia? Use quinoa, linhaça, chá, shake, chia. Foi o que eu ouvi. E fico pensando no que as pessoas obesas ouvem por aí.
Essas pressões podem dialogar diretamente com as opressões estruturais e com questões individuais. Existir corpos que são considerados desajustados somado com alguma necessidade de aceitação, aprovação, ou outras tantas questões subjetivas, pode ser o casamento perfeito da baixa autoestima, e vai na contramão do empoderamento.
Voltar a me achar uma mulher linda virou mais do que uma necessidade pessoal: é necessidade política. Amar a mim mesma é amar todos os corpos, todas as pessoas e talvez uma das maiores conquistas feministas. É por mim e por todas as mulheres e corpos não enquadrados. É por liberdade.


Negahamburger por Evelyn no Facebook.

Convido tod@s a fazerem esse exercício, o de olhar para seu corpo como a todos, como uma bandeira feminista. E deixo de sugestão alguns textos e trabalhos altamente empoderadores:


Além disso, você pode ajudar o: Projeto Beleza Real por Negahamburger. Essa campanha pretende materializar o sonho de fazer um livro de ilustrações baseado em relatos de mulheres reais que buscam a liberdade de ser, de viver sua própria beleza, livre de padrões e preconceitos.

LINK: http://blogueirasfeministas.com/2013/10/autoestima-feminismo-e-as-contradicoes-de-cada-dia/

domingo, 10 de maio de 2015

SOBRE EPISTEMOLOGIA

Epistemologia de Maturana


O termo epistemologia se refere ao estudo sobre a produção do conhecimento. Quando se menciona, no entanto, a epistemologia das ciências, se está abordando os pensadores que se preocuparam em investigar como se constrói um conhecimento de natureza científica. Dentre eles, Humberto Maturana merece destaque.



Maturana é biólogo, nascido em 1928 em Santiago, no Chile. Iniciou seus estudos acadêmicos na medicina, mas acabou seguindo carreira na biologia. Obteve Ph.D em biologia na Universidade de Harvard, e trabalhou em neurofisiologia no M.I.T. Atualmente é professor do Departamento de Biologia na Universidade do Chile. Sua obra de maior destaque chama-se Cognição, Ciência e Vida Cotidiana. Seu principal conceito é o da autopoiese.

Buscar-se-á propor um breve resumo sobre os principais conceitos em Maturana, não em sentido de resumo de toda sua obra ou resenha, mas em caráter pessoal de quem escreve, através dos itens abaixo:
Maturana é um epistemólogo diferenciado dos demais, pois é biólogo, ao contrário dos outros, que são físicos.
De acordo com ele, deve-se levar em conta sempre o observador, pois jamais há isenção entre observador e observado.
Assim, o explicar sempre depende do observador.
Sem linguagem o homem não existe. Vivemos todos na linguagem, a qual se fundamenta nas emoções, e estas são a base do fazer científico.
Maturana explica o conhecer a partir do conhecedor.
Não há sentido nem possibilidade de se conhecer sem se levar em conta o conhecedor.
Toda sua abordagem em ciências é de cunho biológico, e não físico.
Seu principal conceito é do da autopoiese, ou seja, um sistema que se auto regula. Esse conceito também ficara conhecido como a biologia do conhecer.
O conhecimento é uma perturbação de nosso sistema cognitivo, pois podemos fazer as nossas mudanças nas estruturas, mas não nas organizações estruturais, ou seja, em suas identidades.
A explicação sempre gera uma interpretação de nossa própria experiência.
Para Maturana, uma explicação torna-se válida apenas pela existência de alguém que a aceite como tal, sem nenhuma necessidade de outro embasamento.
Todo ser vivo tem características de organização, onde a perda da organização é a morte.
Essa organização, entretanto, não é estática, mas sempre existe uma organização cognitiva.
Não é o exterior quem determina a experiência, o sistema sempre funciona a partir de correlações interiores.
Conforme fora mencionado, sua noção de verdade reside apenas na aceitação desta por alguém, sem nenhuma necessidade de qualquer embasamento empírico.
O homem possui existência na linguagem, na comunicação. Assim, o homem não pode ser visto como um ente isolado.
Muitas vezes não é possível distinguir-se entre a observação e a ilusão, de modo que, de acordo com a sua visão, a ciência não pode ser objetiva.
O explicar algo é sempre uma reformulação do que “eu” já tive, até porque utiliza a “minha” própria linguagem. Não há possibilidade de existência de um conhecimento sem influência de quem o descreve.
A tolerância apenas considera uma posição; a aceitação compreende-a sob a ótica do outro.
A linguagem não existe na transmissão de informações entre o transmissor e o receptador, mas em uma modelagem entre eles.
A diferença do conhecimento científico é que o cientista que o produz deve ser cuidadoso para não permitir que as emoções intervenham no critério da validação das informações.
A ciência possui critérios de validação para a explicação, mas essa explicação jamais é única.
A ciência é uma atividade humana, conectada ao conhecimento. Ou seja, uma das formas que temos de produzir conhecimento chama-se coência.
Entretanto, esses critérios de validação não exigem que o observador seja independente daquilo que observa.
Somos nós que decidimos o que mudar em nosso sistema cognitivo no processo do conhecer, modificando a sua estrutura, mas jamais modificando a sua organização interna, que lhe dá suporte e caracteriza o ser vivo.
Nós estamos tentando perturbar os “sujeitos”, mas serão eles que decidirão o que fazer com essas perturbações.

Referências:
MOREIRA, Marco Antônio; MASSONI, Neusa Teresinha; Epistemologias do Século XX, EPU, São Paulo, 2011.

LINK: http://www.infoescola.com/ciencias/epistemologia-de-maturana/

sexta-feira, 1 de maio de 2015

EU SIMPLESMENTE AMO ESSE TEXTO

Da relação direta entre ter de limpar seu banheiro você mesmo e poder abrir sem medo um Mac Book no ônibus




UPDATE: Muita gente tem lido este post como uma idealização da Holanda como um lugar paradisíaco. Nada mais longe da verdade. A Holanda não é nenhum paraíso e tem diversos problemas, muitos dos quais eu sinto na pele diariamente. O que pretendo fazer aqui é dizer duas coisas: a origem da violência no Brasil é a desigualdade social e 2, apesar da violência que gera, muita gente gosta dessa desigualdade e fica infeliz quando ela diminui, porque dela se beneficia e não enxerga a ligação desigualdade-violência. Por fim: esse post não é sobre a Holanda. A Holanda estar aqui é casual. Esse post é sobre o Brasil, minha pátria mãe.


A sociedade holandesa tem dois pilares muito claros: liberdade de expressão e igualdade. Claro, quando a teoria entra em prática, vários problemas acontecem, e há censura, e há desigualdade, em alguma medida, mas esses ideais servem como norte na bússola social holandesa.

Um porteiro aqui na Holanda não se acha inferior a um gerente. Um instalador de cortinas tem tanto valor quanto um professor doutor. Todos trabalham, levam suas vidas, e uma profissão é tão digna quanto outra. Fora do expediente, nada impede de sentarem-se todos no mesmo bar e tomarem suas Heinekens juntos. Ninguém olha pra baixo e ninguém olha por cima. A profissão não define o valor da pessoa – trabalho honesto e duro é trabalho honesto e duro, seja cavando fossas na rua, seja digitando numa planilha em um escritório com ar condicionado. Um precisa do outro e todos dependem de todos. Claro que profissões mais especializadas pagam mais. A questão não é essa. A questão é “você ganhar mais porque tem uma profissão especializada não te torna melhor que ninguém”.

Profissões especializadas pagam mais, mas não muito mais. Igualdade social significa menor distância social: todos se encontram no meio. Não há muito baixo, mas também não há muito alto. Um lixeiro não ganha muito menos do que um analista de sistemas. O salário mínimo é de 1300 euros/mês. Um bom salário de profissão especializada, é uns 3500, 4000 euros/mês. E ganhar mais do que alguém não torna o alguém teu subalterno: o porteiro não toma ordens de você só porque você é gerente de RH. Aliás, ordens são muito mal vistas. Chegar dando ordens abreviará seu comando. Todos ali estão em um time, do qual você faz parte tanto quanto os outros (mesmo que seu trabalho dentro do time seja de tomar decisões).

Esses conceitos são basicamente inversos aos conceitos da sociedade brasileira, fundada na profunda desigualdade. Entre brasileiros que aqui vêm para trabalhar e morar é comum – há exceções – estranharem serem olhados no nível dos olhos por todos – chefe não te olha de cima, o garçom não te olha de baixo. Quando dão ordens ou ignoram socialmente quem tem profissão menos especializadas do que a sua, ficam confusos ao encontrar de volta hostilidade em vez de subserviência. Ficam ainda mais confusos quando o chefe não dá ordens – o que fazer, agora?

Os salários pagos para profissão especializada no Brasil conseguem tranquilamente contratar ao menos uma faxineira diarista, quando não uma empregada full time. Os salários pagos à mesma profissão aqui não são suficientes pra esse luxo, e é preciso limpar o banheiro sem ajuda – e mesmo que pague (bem mais do que pagaria no Brasil) a um ajudante, ele não ficará o dia todo a te seguir limpando cada poerinha sua, servindo cafézinho. Eles vêm, dão uma ajeitada e vão-se a cuidar de suas vidas fora do trabalho, tanto quanto você. De repente, a ficha do que realmente significa igualdade cai: todos se encontram no meio, e pra quem estava no Brasil na parte de cima, encontrar-se no meio quer dizer descer de um pedestal que julgavam direito inquestionável (seja porque “estudaram mais” ou “meu pai trabalhou duro e saiu do nada” ou qualquer outra justificativa pra desigualdade).

Porém, a igualdade social holandesa tem um outro efeito que é muito atraente pra quem vem da sociedade profundamente desigual do Brasil: a relativa segurança. É inquestionável que a sociedade holandesa é menos violenta do que a brasileira. Claro que aqui há violência – pessoas são assassinadas, há roubos. Estou fazendo uma comparação, e menos violenta não quer dizer “não violenta”.

O curioso é que aqueles brasileiros que queixam-se amargamente de limpar o próprio banheiro, elogiam incansavelmente a possibilidade de andar à noite sem medo pelas ruas, sem enxergar a relação entre as duas coisas. Violência social não é fruto de pobreza. Violência social é fruto de desigualdade social. A sociedade holandesa é relativamente pacífica não porque é rica, não porque é “primeiro mundo”, não porque os holandeses tenham alguma superioridade moral, cultural ou genética sobre os brasileiros, mas porque a sociedade deles tem pouca desigualdade. Há uma relação direta entre a classe média holandesa limpar seu próprio banheiro e poder abrir um Mac Book de 1400 euros no ônibus sem medo.

Eu, pessoalmente, acho excelente os dois efeitos. Primeiro porque acredito firmemente que a profissão de alguém não têm qualquer relação com o valor pessoal. O fato de ter “estudado mais”, ter doutorado, ou gerenciar uma equipe não te torna pessoalmente melhor que ninguém, sinto muito. Não enxergo a superioridade moral de um trabalho honesto sobre outro, não importa qual seja. Por trabalho honesto não quero dizer “dentro da lei” – não considero honesto matar, roubar, espalhar veneno, explorar ingenuidade alheia, espalhar ódio e mentira, não me importa se seja legalizado ou não. O quanto você estudou pode te dar direito a um salário maior – mas não te torna superior a quem não tenha estudado (por opção, ou por falta dela). Quem seu pai é ou foi não quer dizer nada sobre quem você é. E nada, meu amigo, nada te dá o direito de ser cuzão. Um doutor que é arrogante e desonesto tem menos valor do que qualquer garçom que trata direito as pessoas e não trapaceia ninguém. Profissão não tem relação com valor pessoal.

Não gosto mais do que qualquer um de limpar banheiro. Ninguém gosta – nem as faxineiras no Brasil, obviamente. Também não gosto de ir ao médico fazer exames. Mas é parte da vida, e um preço que pago pela saúde. Limpar o banheiro é um preço a pagar pela saúde social. E um preço que acho bastante barato, na verdade.

PS. Ultimamente vem surgindo na sociedade holandesa um certo tipo particular de desigualdade, e esse crescimento de desigualdade tem sido acompanhado, previsivelmente, de um aumento respectivo e equivalente de violência social. A questão dos imigrantes islâmicos e seus descendentes é complexa, e ainda estou estudando sobre o assunto.

LINK: http://blog.daniduc.net/2009/09/14/da-relacao-direta-entre-ter-de-limpar-seu-banheiro-voce-mesmo-e-poder-abrir-sem-medo-um-mac-book-no-onibus/