sexta-feira, 30 de setembro de 2011

SAUDAÇÕES



Deixo então aqui esse presente, trecho de um livro, em forma da sábia saudação das terras banhadas pelas areias do deserto, que por certo acalma um pouco a saúde da alma:
Curvando-se, levou a mão direita ao peito, tocando-o com o indicador, depois aos lábios, aos olhos e à fronte, saudando como era costume dos povos nômades do deserto, falando:

- Com meu coração, meus lábios, meus olhos e minha alma estou a vos servir.

(desconheço o autor)


Que jamais, em tempo algum, o teu coração acalante ódio.
Que o canto da maturidade jamais asfixie a tua criança interior.
Que o teu sorriso seja sempre verdadeiro.
Que as perdas do teu caminho sejam sempre encaradas como lições de vida.
Que a música seja tua companheira de momentos secretos contigo mesmo.
Que os teus momentos de amor contenham a magia de tua alma eterna em cada beijo.
Que os teus olhos sejam dois sóis olhando a luz da vida em cada amanhecer.
Que cada dia seja um novo recomeço, onde tua alma dance na luz.
Que em cada passo teu fiquem marcas luminosas de tua passagem em cada coração.
Que em cada amigo o teu coração faça festa, que celebre o canto da amizade profunda que liga as almas afins.
Que em teus momentos de solidão e cansaço, esteja sempre presente em teu coração a lembrança de que tudo passa e se transforma, quando a alma é grande e generosa.
Que o teu coração voe contente nas asas da espiritualidade consciente, para que tu percebas a ternura invisível, tocando o centro do teu ser eterno.
Que um suave acalanto te acompanhe, na terra ou no espaço, e por onde quer que o imanente invisível leve o teu viver.
Que o teu coração sinta a presença secreta do inefável!
Que os teus pensamentos e os teus amores, o teu viver e a tua passagem pela vida, sejam sempre abençoados por aquele amor que ama sem nome.
Aquele amor que não se explica, só se sente.
Que esse amor seja o teu acalanto secreto, viajando eternamente no centro do teu ser.
Que este amor transforme os teus dramas em luz, a tua tristeza em celebração e os teus passos cansados em alegres passos de dança renovadora.
Que jamais, em tempo algum, tu esqueças da Presença que está em ti e em todos os seres.
Que o teu viver seja pleno de Paz e Luz,

Que o Criador de Tudo e Todas as Coisas e o amado Mestre dos Mestres
ilumine teus dias assim como teus passos.

VENCERÁS



Não desanimes
Persiste mais um tanto.
Não cultives o pessimismo.
Centraliza-te no bem a fazer.
Esquece as sugestões do medo destrutivo.
Segue adiante, mesmo varando a sombra dos próprios erros.
Avança ainda que seja pôr entre lágrimas.
Trabalha constantemente.
Edifica sempre.
Não consintas que o gelo do desencanto te entorpeça o coração.
Não te impressiones à dificuldade.
Convence-te de que a vitória espiritual é construção para
o dia a dia.
Não desistas da paciência.
Não creias em realização sem esforço.
Silêncio para a injúria.
Olvido para o mal.
Perdão às ofensas.
Recorda que os agressores são doentes.
Não permitas que os irmãos desequilibrados
te destruam o trabalho ou te apaguem a esperança.
Não menosprezes o dever que a consciência te impõe.
Se te enganaste em algum trecho do caminho,
reajusta a própria visão e procura o rumo certo.
Não contes vantagens nem fracassos.
Estuda buscando aprender.
Não se voltes contra ninguém.
Não dramatizes provações ou problemas.
Conserva o hábito da oração
para que se te faça luz na vida íntima.
Resguarda-te em Deus e persevera no trabalho que Deus te confiou.
Ama sempre, fazendo pelos outros o melhor que possas realizar.
Age auxiliando.
Serve sem apego.
E assim vencerás

Mensagem de Emmanuel psicografada por Chico Xavier

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

A CONSCIÊNCIA DE SUA MISSÃO...




Freqüentemente, eu me pergunto: "O que cada um de nós está fazendo neste planeta?"
Se a vida for somente tentar aproveitar o máximo possível as horas e os minutos, esse filme é bobo.
Tenho certeza de que existe um sentido melhor em tudo o que vivemos.
Para mim, nossa vinda ao planeta Terra tem, basicamente, dois motivos:
Evoluir espiritualmente e aprender a amar melhor.
Todos os nossos bens, na verdade, não são nossos.
Somos apenas as nossas almas.
E devemos aproveitar todas as oportunidades que a vida nos dá para nos aprimorarmos como pessoas.
Portanto, lembre-se sempre que os seus fracassos são sempre os melhores professores e que é nos momentos difíceis que as pessoas precisam encontrar uma razão maior para continuar em frente.  Especialmente quando temos de nos superar, fazem de nós pessoas melhores.
A nossa capacidade de resistir às tentações, aos desânimos, para continuar o caminho, é que nos torna pessoas especiais.
Ninguém veio a essa vida com a missão de juntar dinheiro e comer do bom e do melhor.  Ganhar dinheiro, ter bom padrão de vida e alimentar-se bem fazem parte da vida, mas, não podem ser a razão de viver.
Tenho certeza de que pessoas como Martin Luther King, Mahatma Ghandi, Nelson Mandela, Madre Tereza de Calcutá, Irmã Dulce, Chico Xavier, Betinho e tantos(as) outros(as) anônimos as), que lutaram e lutam para melhorar a vida dos mais fracos e dos mais pobres, não estavam motivadas pela idéia de ganhar dinheiro.
O que move, então, essas pessoas generosas a trabalhar?  A resposta é uma só:
A CONSCIÊNCIA DE SUA MISSÃO NESTA VIDA.
Quando você tem a consciência de que, através do seu trabalho, está realizando sua missão, você desenvolve uma força extra, capaz de levá-lo ao cume da montanha alta do planeta. Mais Infelizmente, muita gente se perde nesta viagem e distorce o sentido de sua existência, pensando que acumular bens materiais é o objetivo da vida.
E quando chega ao final do caminho percebe que se você tem estado angustiado sem motivo aparente, está aí um aviso para parar e refletir sobre o seu estilo de vida.
Responda com honestidade: Como você vem tratando seus pais, seus irmãos, seus filhos, seus amores e seus amigos?  Como anda sua disposição para “emprestar” sua atenção a quem precisa desabafar sua dor, a quem precisa receber um gesto de carinho?  Você está engajado em algum movimento voluntariado?  Você tem reservado pelo menos cinco minutinhos diários para ter um diálogo sincero com você mesmo?
Você tem agradecido a Deus pelo milagre de sua vida e por todos os “anjos” que Ele coloca em seu caminho?  Escute a sua alma: Ela tem a orientação correta sobre qual o caminho a seguir?  Tudo na vida é um convite para o avanço e a conquista de valores, na harmonia e na glória do bem.  E lembra-te:
“Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão”
Tenho sido, nesta vida, um buscador de minha luz.  Por isso tenho encontrado nesta caminhada, mais sombras internas do que a minha tão esperada luz!  O passar dos anos, o tempo, a vivência do dia-a-dia vão me ensinando que por trás de toda sombra que sempre aparece e enfrento, dá-se automaticamente o sentimento da libertação, a percepção da existência da minha plenitude, da minha parte melhor: o meu Eu divino.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

AS RAZÕES DO AMOR- RUBEM ALVES

"Os místicos e os apaixonados concordam em que o amor não tem razões.  Angelus Silésius, místico medieval, disse que ele é como a rosa : "A rosa não tem "porquês". Ela floresce porque floresce."  Drummond repetiu a mesma coisa no seu poema  'As Sem-Razões do Amor'.  É possível que ele tenha se inspirado nestes versos mesmo sem nunca os ter lido, pois as coisas do amor circulam com o vento.

"Eu te amo porque te amo..." - sem razões...  "Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo."  Meu amor independe do que me fazes.  Não cresce do que me dás.  Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos.  Teria razões e explicações.  Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra.  "Amor é estado de graça e com amor não se paga."  Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que "amor com amor se paga".  O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais.  Nada te devo.  Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo.

"Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse.  Amor foge a dicionários e a regulamentos vários...  Amor não se troca...  Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo..."  Drummond tinha de estar apaixonado ao escrever estes versos.  Só os apaixonados acreditam que o amor seja assim, tão sem razões.  Mas eu, talvez por não estar apaixonado (o que é uma pena...), suspeito que o coração tenha regulamentos e dicionários, e Pascal me apoiaria, pois foi ele quem disse que "o coração tem razões que a própria razão desconhece".  Não é que faltem razões ao coração, mas que suas razões estão escritas numa língua que desconhecemos.

Destas razões escritas em língua estranha o próprio Drummond tinha conhecimento, e se perguntava: "Como decifrar pictogramas de há 10 mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior?  A verdade essencial é o desconhecido que me habita e a cada amanhecer me dá um soco."  O amor será isto: um soco que o desconhecido me dá?

Ao apaixonado a decifração desta língua está proibida, pois se ele a entender, o amor se irá.  Como na história de Barba Azul: se a porta proibida for aberta, a felicidade estará perdida.  Foi assim que o paraíso se perdeu: quando o amor - frágil bolha de sabão - não contente com sua felicidade inconsciente, se deixou morder pelo desejo de saber.  O amor não sabia que sua felicidade só pode existir na ignorância das suas razões.  Kierkegaard comentava o absurdo de se pedir aos amantes explicações para o seu amor.  A esta pergunta eles só possuem uma resposta: o silêncio.  Mas que se lhes peça simplesmente falar sobre o seu amor - sem explicar.   E eles falarão por dias, sem parar... Mas - eu já disse - não estou apaixonado.  Olho para o amor com olhos de suspeita, curiosos.  Quero decifrar sua língua desconhecida.  Procuro, ao contrário do Drummond, as cem razões do amor...

Vou a Santo Agostinho, em busca de sua sabedoria.  Releio as Confissões, texto de um velho que meditava sobre o amor sem estar apaixonado.  Possivelmente aí se encontre a análise mais penetrante das razões do amor jamais escrita.  E me defronto com a pergunta que nenhum apaixonado poderia jamais fazer:  "Que é que eu amo quando amo o meu Deus?"  Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: "Que é que eu amo quando te amo?"  Seria, talvez, o fim de uma estória de amor.  Pois esta pergunta revela um segredo que nenhum amante pode suportar: que ao amar a amada o amante está amando uma outra coisa que não é ela.  Nas palavras de Hermann Hesse, "o que amamos é sempre um símbolo".  aí, conclui ele, a impossibilidade de fixar o seu amor em qualquer coisa sobre a terra..."

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

O LAÇO E O ABRAÇO

O LAÇO E O ABRAÇO
(Maria Beatriz Marinho dos Anjos)


Eu nunca tinha reparado como é curioso um laço... uma fita dando voltas.
Enrosca-se, mas não se embola, vira, revira, circula e pronto: está dado o laço.
É assim que é o abraço: coração com coração, tudo isso cercado de braço.
É assim que é o laço: um abraço no
presente, no cabelo, no vestido, em qualquer coisa onde o faço. E quando puxo uma ponta, o que é que acontece?
Vai escorregando... devagarinho, desmancha, desfaz o abraço.
Solta o presente, o cabelo, fica solto no vestido. E, na fita, que curioso, não faltou nem um pedaço.
Ah! Então, é assim o amor, a amizade.
Tudo que é sentimento. Como um pedaço de fita.
Enrosca, segura um pouquinho, mas pode se desfazer a
qualquer hora, deixando livre as duas bandas do laço.
Por isso é que se diz: laço afectivo, laço de amizade.
E quando alguém briga, então se diz: romperam-se os laços.
E saem as duas partes, igual meus pedaços de fita, sem
perder nenhum pedaço.
Então o amor e a amizade são isso...
Não prendem, não escravizam, não apertam, não sufocam.
Porque quando vira nó, já deixou de ser um laço!



este lindo poema que está sendo veiculado na Internet como sendo de Mario Quintana. Embora tenha o mesmo lirismo e humor de Quintana, não é dele e sim da mineira Maria Beatriz Marinho dos Anjos. Divulguem, por favor.

sábado, 10 de setembro de 2011

A SOLIDÃO AMIGA


A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio.  Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão... O que mais você deseja é não estar em solidão...

Mas deixa que eu lhe diga: sua tristeza não vem da solidão. Vem das fantasias que surgem na solidão.  Lembro-me de um jovem que amava a solidão: ficar sozinho, ler, ouvir, música... Assim, aos sábados, ele se preparava para uma noite de solidão feliz. Mas bastava que ele se assentasse para que as fantasias surgissem. Cenas. De um lado, amigos em festas felizes, em meio ao falatório, os risos, a cervejinha.  Aí a cena se alterava: ele, sozinho naquela sala. Com certeza ninguém estava se lembrando dele. Naquela festa feliz, quem se lembraria dele?  E aí a tristeza entrava e ele não mais podia curtir a sua amiga solidão.  O remédio era sair, encontrar-se com a turma para encontrar a alegria da festa. Vestia-se, saía, ia para a festa... Mas na festa ele percebia que festas reais não são iguais às festas imaginadas.  Era um desencontro, uma impossibilidade de compartilhar as coisas da sua solidão...  A noite estava perdida.

Faço-lhe uma sugestão: leia o livro A chama de uma vela, de Bachelard.  É um dos livros mais solitários e mais bonitos que jamais li. A chama de uma vela, por oposição às luzes das lâmpadas elétricas, é sempre solitária.  A chama de uma vela cria, ao seu redor, um círculo de claridade mansa que se perde nas sombras.  Bachelard medita diante da chama solitária de uma vela.  Ao seu redor, as sombras e o silêncio. Nenhum falatório bobo ou riso fácil para perturbar a verdade da sua alma. Lendo o livro solitário de Bachelard eu encontrei comunhão.  Sempre encontro comunhão quando o leio. As grandes comunhões não acontecem em meio aos risos da festa. Elas acontecem, paradoxalmente, na ausência do outro.  Quem ama sabe disso.  É precisamente na ausência que a proximidade é maior. Bachelard, ausente: eu o abracei agradecido por ele assim me entender tão bem.  Como ele observa, "parece que há em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis".  A vela solitária de Bachelard iluminou meus cantos sombrios, fez-me ver os objetos que se escondem quando há mais gente na cena. E ele faz uma pergunta que julgo fundamental e que proponho a você, como motivo de meditação: "Como se comporta a Sua Solidão?" Minha solidão? Há uma solidão que é minha, diferente das solidões dos outros?  A solidão se comporta?  Se a minha solidão se comporta, ela não é apenas uma realidade bruta e morta.  Ela tem vida.

Entre as muitas coisas profundas que Sartre disse, essa é a que mais amo:  "Não importa o que fizeram com você.  O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você." Pare. Leia de novo. E pense. Você lamenta essa maldade que a vida está fazendo com você, a solidão.  Se Sartre está certo, essa maldade pode ser o lugar onde você vai plantar o seu jardim.

Como é que a sua solidão se comporta?  Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim: "Por muito tempo achei que a ausência é falta./ E lastimava, ignorante, a falta./ Hoje não a lastimo./ Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim./ E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,/ que rio e danço e invento exclamações alegres,/ porque a ausência, essa ausência assimilada,/ ninguém a rouba mais de mim.!"

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas!  Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos.  E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento.  Que troca infeliz!  Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar.  Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer.  O estar juntos não quer dizer comunhão.  O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos.  Sartre chegou ao ponto de dizer que "o inferno é o outro."  Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia... Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:

"Ó solidão! Solidão, meu lar!...  Tua voz - ela me fala com ternura e felicidade!

Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas.

Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas.  E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos/poemas de todo o ser se abrem diante de mim.   Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar."

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, "certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa - garrafa, prato, facão - era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (...) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (...) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia."
Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: "As obras de arte são de uma solidão infinita." É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.

E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:

"...Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos... Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente?  Por onde erraria a verdadeira Cecília..."

Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar.  Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento.  Seria inútil.  Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho.  Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão...

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos... Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação.  Ela não é verdadeira.

Mas essa conversa não acabou: vou falar depois sobre os companheiros que fazem minha solidão feliz. 
 
Rubem Alves

domingo, 4 de setembro de 2011

Amputações

Quando o filme 127 Horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame.

Quando a famosa cena se iniciasse, bastaria dar um passeio até a cozinha, tomar um copo d´água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da TV quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.

O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extremas, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito.

Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida. Muitos tiveram a sua grande rocha para mover e, não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.

Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas que teve que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.

Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o “Pedaço de Mim” da música do Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram que deixar para trás a fim de começarem uma nova vida.

Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma amputação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo. Mas é mais provável que tenha faltado coragem.

Às vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho sangra. Machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.

Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvá-lo. 127 horas, 2.300 horas, 6.450 horas, 22.500 horas que se transformam em anos.

Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. E um cânion do qual é preciso escapar.


Martha Medeiros
Jornal Zero Hora, 31 de julho de 2011.