domingo, 18 de maio de 2014

O Discurso de Gabourey Sidibe - sobre gordofobia e autoestima


"" O nome pode parecer estranho pra você, mas com certeza você a conhece. Gabourey Sidibe é a protagonista de Preciosa (Precious), um dos filmes mais tristes do mundo. Ela também participou lindamente de The Big C, série maravilhosa com a Laura Linney.
Mas, convenhamos, seja honesta, você provavelmente lembra dela como “aquela negra gorda, imensa, baleia”. E foi sobre isso, sobre os estereótipos, sobre a maldade humana, que Gabourey falou em seu discurso na festa da Ms. Foundation, onde também se comemorou o aniversário de 80 anos de Gloria Steinem, feminista histórica.
A minha querida amiga e aniversariante do mês Mariana Laudeauser (@mlaudeauser) traduziu o discurso. Aí vai:
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"Estou muito feliz de estar aqui. Muito, muito feliz. Bom, vamos lá. Oi. Uma das primeiras coisas que as pessoas geralmente me perguntam é: “Gabourey, como você é tão confiante?”. Odeio isso. Sempre me perguntei se é a primeira coisa que perguntam pra Rihanna quando encontram com ela. “RiRi! Como você é tão confiante?” Não. Não, não. Mas comigo? Todas as vezes me perguntam com aquela mesma incredulidade. “Você parece tão confiante! Como é isso?”

Quando eu tinha 10 anos, na quinta série, minha professora, Srta. Lowe, anunciou que minha turma teria uma festinha de fim de ano, pouco antes do feriado de Natal. Ela pediu que todos trouxessem lanches ou bebidas para a festa da turma. Ela também disse que poderíamos cozinhar algo, se quiséssemos. Eu fiquei tão feliz.

Imediatamente decidi que faria biscoitos de gengibre e todos iriam adorar. Contei para minha mãe e pedi dinheiro para comprar os ingredientes. Ela achava que eu deveria comprar biscoitos prontos na loja, mas eu disse a ela “Esses biscoitos não tem amor suficiente neles!”. Eu tinha que fazer esses biscoitos.

Então comprei a massa e forminhas em forma de árvores de Natal e sinos, e fiz uma fornada para treinar, e deu muito errado. Ainda bem que era pra praticar. Estavam horríveis. E na noite antes da festa, fiz outra fornada de biscoitos. E estavam horríveis também, mas tinham aparência bem melhor. Guardei cuidadosamente em saquinhos plásticos para levar para a escola no dia seguinte.

Quando cheguei na escola naquela manhã, mal podia esperar pela festa. Estava tão orgulhosa daqueles biscoitos e todo o esforço que fiz para prepará-los; comecei a pensar que talvez não fosse ser a primeira mulher negra presidente – talvez também fosse uma chef celebridade! Quer dizer, por que me limitar?

A festa estava marcada para acontecer uma hora antes das aulas terminarem e eu esperei ansiosamente durante o dia todo. Finalmente, era hora da festa. A professora perguntou o que todos trouxeram e eu orgulhosamente anunciei que tinha feito os biscoitos para a turma. Acho que senti mais orgulho ainda sabendo que todos os outros só compraram as coisas. Eu fui a única que fez algo, porque obviamente, eu era um pouco mais esperta do que os outros.

Então, quando a festa começou, andei pela sala, oferecendo biscoitos para todo mundo. Ninguém aceitou. Ninguém. Ninguém exceto Nicholas, que foi o primeiro pra quem eu ofereci. Mas depois que outros colegas endireitaram ele, ele veio atrás de mim e me devolveu o biscoito. Andei por toda a sala oferecendo os biscoitos para os colegas até que voltei para a minha carteira com a mesma quantidade de biscoitos. Sentei sozinha, comendo aqueles biscoitos nojentos que levei horas pra fazer, sem ajuda de ninguém. Coloquei pedacinhos de chocolate neles, por isso estavam nojentos. Não estava surpresa.

Só esqueci por um momento que a turma toda me odiava. Eu tive zero amigos da quarta até a sexta série. Pra quem diabos eu estava fazendo aqueles biscoitos? Eu fiquei tão empolgada para cozinhar que esqueci que todos me odiavam. Por que não gostavam de mim? Eu era gorda, sim. Eu tinha pele escura e cabelo esquisito, sim. Mas a verdade é que, isso não é uma história sobre bullying, ou cor, ou peso. Eles me odiavam porque… Eu era uma babaca.

Sim. Eu era mandona, uma babaca mandona. Veja, lembra quando eu falei que pensava que era mais esperta que todo mundo? Bom, eu pensava mesmo! E falava para eles, todo santo dia! Aquelas crianças não podiam pensar em falar algo sem que eu cortasse lembrando que era mais esperta, engraçada e inteligente do que eles. Sempre fui sarcástica – chamava de defeito de nascença. E vamos ser sinceros, crianças não entendem sarcasmo. Elas não gostam. Elas nunca sabiam do que eu estava falando. E quando eles diziam “Espera… hã?”, eu respondia “Meu Deus, Alicia, vai ler um livro!”. Eu sei.

Meus colegas sempre me perguntavam se eu era adotada por gente branca. Eu dizia. “Não, meus pais fizeram faculdade”. Eu sei que era rude, mas eu ainda tenho muito orgulho disso. Para ser sincera, na minha vizinhança, nem todos os pais tiveram oportunidade de fazer faculdade. A maioria dos pais dos meus colegas os tiveram quando eram adolescentes. Meus pais me tiveram aos 30 anos. Meu pai nasceu no Senegal. O pai dele foi prefeito da capital, Dakar, e meu pai frequentemente levava eu e meu irmão com ele para visitar a África, enquanto a maioria dos meus colegas nunca foi além do Lower East Side.

Minha mãe era professora de ensino médio, por isso estudava lá, mas minha mãe também tinha uma voz linda, então quando eu tinha nove anos ela pediu demissão e foi cantar no metrô. Ela ganhou mais dinheiro cantando por gorjetas do que como professora! E rapidamente ela se tornava a versão underground de Whitney Houston. Ela era a pessoa mais forte, inteligente e talentosa que eu já tinha conhecido. Até hoje, eu quero ser igual a ela mais do que qualquer outra pessoa.

A questão é, eu era esnobe. Eu achava que era melhor que os outros na minha turma e deixava isso bem claro. Por isso eles não gostavam de mim. Eu acho que o motivo pra eu pensar tão bem de mim mesma o tempo todo era por ninguém mais achar. Eu percebi que era inteligente porque minha mãe gritava com meu irmão mais velho, “sua irmã vai te passar na escola. Você vai ficar para trás e ela se vai formar primeiro que você”. Mas ela nunca me disse “você é inteligente”. O que ela me dizia era, “você é muito gorda”.

Eu recebia a mensagem que não era bonita e, provavelmente, não era normal, mas eu era inteligente! Por que não diziam logo isso? “Você é inteligente”. Não é tão difícil assim. Meu pai gritava com meu irmão “Gabourey faz o dever de casa sozinha! Por que você não consegue?”, mas ele nunca me disse “Parabéns”. O que ele dizia era: “Você precisa perder peso para eu sentir orgulho de você”. Eu sei.

Então faziam piada de mim na escola, e em casa também, meu irmão mais velho me odiava, meu pai não me entendia, e minha mãe, que também foi gorda na minha idade, me entendia perfeitamente… mas ela me traía porque ela tinha muito medo do que ela sabia que estava por vir. Então eu nunca me senti segura quando estava em casa. E minha resposta a isso era sempre comer mais, porque nada diz “você me magoou. Foda-se” como comer um biscoito delicioso. Biscoitos nunca me magoaram.

“Gabourey, como você é tão confiante?” Não é fácil. É difícil se arrumar para premiações e tapetes vermelhos quando eu sei que vão fazer piada comigo por causa do meu peso. Há sempre uma grande chance se eu usar roxo, de ser comparada ao Barney. Se usar branco, um peru congelado. E se usar vermelho, pareço uma jarra de suco de morango. O Twitter vai explodir com comentários maldosos sobre como o último terremoto foi causado por mim correndo atrás de um carrinho de cachorro quente ou algo assim. E “Dieta ou Morte?” (ela mostra o dedo do meio). É com isso que eu lido toda vez que coloco um vestido. É com isso que eu lido toda vez que alguém tira uma foto minha. Às vezes, quando sou entrevistada por uma repórter de moda, eu consigo ver nos olhos dela “Como ela consegue ser assim? Por que ela é tão confiante? Como ela lida com aquele corpo? Ai meu deus, vou pegar gordura!”.

O que eu diria é, minha mãe mudou comigo e meu irmão para a casa da minha tia. O nome dela é Dorothy Pitman Hughes, ela é feminista, ativista, e amiga de longa data da Gloria Steinem. Todo dia, eu tinha que levantar e ir para a escola onde todos faziam piada de mim, e tinha que ir pra casa onde todos faziam piada de mim.

Todos os dias era difícil continuar, não importa em que direção eu fosse. E na saída de casa, eu achava força. De manhã, saindo para o mundo, eu passava por um retrato da minha tia e Gloria juntas. Estavam lado a lado, uma com lindo cabelo comprido e a outra com o cabelo afro mais lindo e redondo que já tinha visto, ambas com os punhos para o alto. Poderosas. Confiantes.

E todos os dias eu saía de casa e levantava o punho para a foto também. E marchava para a batalha (ela começa a chorar). Na época, eu não sabia que estava sendo inspirada. Na volta para casa, subindo as escadas, eu levantava o punho de novo e continuava a marchar para mais batalhas. (ela tira um lenço do decote e limpa os olhos). É para isso que peitos servem! Não sabia que estava sendo inspirada, mas estava. Se elas se sentiam daquele jeito, talvez eu pudesse também! Eu só queria ser legal daquele jeito. Isso me deu forças.

Então, tudo bem, estamos de volta na quinta série, e eu tinha acabado de ser rejeitada por 28 crianças de uma vez só. E estava sentada sozinha na minha carteira, com um saquinho vazio, migalhas no meu colo, e estava nessa festa ótima que tinha esperado a semana inteira. Esperei a semana toda por uma festa que nem tinha sido convidada. E por algum motivo eu levantei, sentei na carteira e festejei até não poder mais. Eu ria alto quando algo engraçado acontecia. E quando a srta. Lowe colocava música, eu era a primeira a levantar e dançar. Eu dancei, comi salgadinhos, bebi refrigerante e me diverti, embora ninguém me quisesse lá.

E sabe por quê? Eu te disse – eu era uma babaca! Eu queria aquela festa! E o que eu quero ganha do que 28 pessoas querem que eu faça, especialmente quando eles querem que vá embora. Eu me diverti muito. De verdade. E se de alguma forma estraguei a festa dos meus colegas, isso é problema deles.

“Como você é tão confiante?” “Eu sou uma babaca!” Certo? É minha diversão, minha vida, apesar do que pensem de mim. Eu vivo minha vida porque eu me atrevo. Eu me atrevo a aparecer quando todos os outros podem esconder a cara e os corpos com vergonha. Eu apareço porque sou babaca e quero me divertir. E minha mãe e meu pai me amam. Eles querem a melhor vida para mim, mas não sabiam com verbalizar. E eu entendo, de verdade. Eles foram melhores pais pra mim do que eles mesmos tiveram.

Sou grata a eles e a minha turma da quinta série, pois se eles não tivessem me feito chorar, eu não estaria chorando agora. (enxuga lágrimas) Se não tivessem me dito que eu era lixo, eu não aprenderia a mostrar para as pessoas que eu sou talentosa. E se todos tivessem sempre rido das minhas piadas, eu não teria aprendido a ser tão engraçada. Se não tivessem me dito que eu era feia, eu nunca teria procurado minha beleza. E se não tivessem tentado me quebrar, eu não saberia que sou inquebrável. Então quando me pergunta como eu sou tão confiante, eu sei o que realmente está me perguntando: como alguém como eu poderia ser confiante? Vai perguntar pra Rihanna, babaca!""

 
 
originalmente publicado em 7 de maio de 2014
copiado do site: http://www.cemhomens.com/2014/05/o-maravilhoso-discurso-de-gabourey-sidibe-sobre-gordofobia-e-autoestima/