Em novo livro, o britânico Robert Rowland propõe analisar cada ato do cotidiano de acordo com teorias filosóficas. Para Rowland, pensar sobre momentos aparentemente banais pode ajudar a entender questões essenciais de nossas vidas
A monotonia daqueles cafés da manhã regados a mamão, leite desnatado e pão integral está com os dias contados. A partir de agora pode-se fazer o desjejum filosofando. É só dar um pulo na livraria mais próxima e comprar “Café da manhã com Sócrates” (Rocco), do filósofo bonitão Robert Rowland Smith, que decidiu botar pelo em ovo.
Inspirado na máxima do filósofo ateniense “Não vale a pena viver uma vida não examinada”, o autor acha um desperdício uma pessoa ficar pensando na morte da bezerra enquanto se alimenta. E sugere que o leitor compreenda o seu cotidiano de A a Z. Nada de caminhar para o trabalho, ir à academia, tomar banho ou ver televisão sem entender porque isso está acontecendo. Para ele, esses momentos aparentemente tão banais são preciosos para que possamos entender questões essenciais em nossas vidas. Assim, ele propõe uma viagem guiada pela história da filosofia.
No livro, publicado em vários países, como Espanha, Itália e Alemanha, o autor imagina o que diriam os maiores pensadores de todos os tempos sobre os momentos-chave do dia a dia. Desde a hora em que acordamos (e passamos a existir, como argumentaria Descartes), até quando adormecemos (com Jung por companhia, a explicar-nos o porquê dos nossos sonhos). “O livro mostra como as maiores ideias da história se relacionam com a forma que você vive sua vida e como você pode pensá-la com mais profundidade” — explica o autor.
O ego adora uma rotina
Dividido em 18 capítulos, como “Acordando”, “Discutindo a relação”, “Matando o trabalho”, “Fazendo sexo” até “Dormindo e Sonhando”, o livro nutre o leitor com questões de sociologia, psicologia e política que estão implícitas em atos do cotidiano, aparentemente sem a menor relevância. No capítulo “Arrumando-se”, ele observa que o ego adora uma rotina e explica que por isso alguns homens sempre abotoam a camisa de cima para baixo, em vez de baixo para cima, ou vestem as cuecas antes das meias. E você, já pensou em entrar no escritório do seu chefe, dizer o que pensa dele e largar o emprego deixando seus companheiros morrendo de inveja? Em “No trabalho”, o leitor vai compreender que essa fantasia revela três coisas: primeira, que ele está no emprego errado; segunda, que, se não transformou esse desejo em realidade, é um covarde; e terceira, ele é uma pessoa que precisa de segurança para poder cumprir seus compromissos financeiros e não possui reserva suficiente para pagá-los. “Você e dois terços da população” — brinca o autor.
Vai aprender, ainda, que para Michel Foucault, sua rotina de exercícios é uma forma de controle estatal; para Lacan provar roupas numa loja pode ser um alerta sobre os perigos do narcisismo. E não trabalhe demais, please, porque a qualquer momento Marx pode surgir na sua frente para alertar que você deve deixar de ser escravo do seu salário. Enfim, nem no mais comezinho cotidiano nada é o que parece. Mesmo quando a noite chegar e você ficar animada para fazer sexo com seu namorado, não pense que é fácil não, também é preciso pôr a cabeça para funcionar. Não é você que faz sexo, filosoficamente o sexo é que nos faz.
Socorro, eu só quero um mísero orgasmo.
Bety Orsini
Jornal: O Globo
Caderno: Ela
28/08/2010