A gente não sabe como se lembra das coisas, nem como as esquece... Noberto Bobbio tem uma frase que diz que a gente é o que a gente lembra. E quase todas as ciências psis tb (pensando bem, quase toda a área humana do conhecimento é baseada nas memórias, reminiscências, no que é passado de geração pra geração, na Biblioteca Perdida de Alexandria, na sabedoria acumulada ao longo do nosso processo Histórico, and so on... ).
O mais muderno agora, e que a neurociência está provando, é que nossa memória está programada também para surpreendentemente esquecer. Que o saudável é não se lembrar de tuuudo, precisamos esquecer coisas, e de verdade são as coisas banais, do cotidiano, senão soçobramos com as informações inúteis que iríamos acumular. Se alguém me perguntar a roupa que o paciente estava vestindo na consulta da semana passada, provavelmente eu vou perguntar se ele até estava vestido, rsrs.... Mas sou capaz de lembrar coisas que a gente conversou há um, dois, três anos atrás. De um livro que eu li, dez anos depois, até da posição na página que o trecho que eu estava procurando por alto pode estar tal citação... Coisas desde uma infância muito precoce, meu irmão chegando da maternidade, quando eu tinha uns dois anos de idade.
Mas o que faz a gente "escolher" o que quer exatamente guardar? O principal fator é a carga emocional atrelada a um evento. Outro é a repetição, quantas vezes aquele fato aconteceu com a gente, ou a gente repetiu um movimento, uma função, uma respiração, um olhar, uma palavra... Outras vezes somos escolhidos pela vida, pra tentar entender um porquê, uma perda, uma dor, uma lágrima, algo que não paramos de pensar e não entendemos racionalmente, mas o sentimento não sai do nosso peito, até que ele vai desaparecendo de mansinho, deixando pra trás somente uma cicatriz que vai abrandando com o tempo, até nos esquecermos que ela existe, como uma memória, que ocupa algum lugar, em algum momento, fugaz.
Betty Milan escreveu na Veja de 01/09/2010 que "um dos maiores desconsolos é a perda do ser amado. O desconsolo da perda. Só superamos a tristeza quando entendemos que perder não é sinônimo de não ter... fazer o luto é entender que a morte não anula a existência... [podemos] rememorar em vez de lamentar a falta." Adorei tirar esses pensamentos do artigo dela e alinhar com esses pensamentos sobre a memória. Dá uma idéia da continuidade da existência, da luta diária que temos, em prol da vida que perdura, e perdurará, mesmo que esse meu EU não mais aqui esteja.