... todos estavam curiosos com o título do livro do Leonardo, Novas fronteiras da igreja. Especialmente porque, como se sabe, ele é um herege. Em outros tempos ele já teria sido queimado num edificante Auto de Fé, numa das fogueiras da Inquisição. Que ele é herege não é difamação minha. Foi ele mesmo que confessou publicamente, até com um certo sorriso... Contou-nos de um jantar de homenagem que lhe ofereceram Darci Ribeiro e Oscar Niemeyer, ambos ateus confessos, para celebrá-lo como o primeiro herege brasileiro
O que é um herege? É uma pessoa que anda na direção contrária. É alguém que diz o que foi proibido dizer. O pecado dos hereges não é moral. Ninguém e herege por ser um assassino ou fornicador. Esses são pecados de que se pode arrepender, e que são resolvidos no confessionário. O pecado dos hereges, ao contrário, não é pecado de ação. É pecado de pensamento. E não há formas de se arrepender daquilo que se pensa. Ele pensa aquilo que é proibido pensar. Só há um jeito de curar um herege: queimando-o na fogueira.
Pois o Leonardo, já há algum tempo, tem estado dizendo coisas proibidas. Por elas foi levado ao Santo Ofício e interrogado pelo guarda da fé, o Cardeal Ratzinger. O Leonardo diz, brincando: “Tive a honra de me assentar na mesma cadeira em que se assentou Galileu...” Galileu também foi herege por afirmar uma coisa proibida, que a terra não era o centro do universo. Ah! Como as religiões afirmam coisas confusas! Felizmente se arrependem delas, passados quinhentos anos... Outro herege famoso foi Jesus Cristo que andava pela Palestina negando aquilo que sempre tinha sido dito: “Ouvistes o que foi dito aos antigos, eu, porém, vos digo... A heresia do Leonardo tem a ver com aquilo que ele pensa sobre a igreja. Para ele Jesus jamais imaginou uma igreja hierárquica, burocrática, dotada de poder ( houve um período em que ela chegou a ter exércitos ) e que pretende ser a única detentora da verdade, a verdade inteira. Essa pretensão torna impossível o ecumenismo oficial. Porque se uma instituição possui a verdade toda, ela não precisa ouvir ninguém. Seria uma perigosa perda de tempo. O pensamento do outro só pode ser mentira. É o outro que tem de ouvi-la. Ela é “mater et magistra” – mãe e mestra. Para o Leonardo, ao contrário, a igreja é formada por todos aqueles que sonham o mesmo sonho, o sonho que está contido na poesia do Pai Nosso: um mundo de fraternidade, sem misérias, sem vinganças, sem violência.
Perguntaram ao Luiz Carlos Lisboa – que ama o Rio de Janeiro, cidade mais linda não há – sobre essa estranha coincidência: o Rio de Janeiro é uma das cidades mais religiosas do Brasil e é a cidade mais violenta do Brasil. Qual é a relação que existe entre religião e violência? Ele lembrou que, na história do Ocidente, as religiões sempre estiveram ligadas à violência. Os maiores horrores já foram perpetrados por causa de dogmas religiosos. Agora mesmo, para justificar a guerra contra o Iraque, o presidente Bush declarou que conversava com Cristo todas as manhãs. A loucura tem fortes relações com a religião institucionalizada. Os loucos pensam que suas idéias são as idéias de Deus. Pensa-se que a violência criminal vai se resolver com a violência policial. Mas onde se encontram as raízes da violência? Elas não se encontram dentro de nós mesmos? A violência só vai ser resolvida quando os homens aprenderem a ser mansos. Mas isso exige uma transformação espiritual. Era assim que pensavam Jesus Cristo, São Francisco de Assis e Gandhi...
Foi uma conversa gostosa, honesta, por vezes com um pouco de pimenta, que era logo eliminada com o humor.
O que é necessário compreender é que ninguém tem a verdade. Nós só damos palpites. No momento em que os indivíduos compreenderem que suas verdades não passam de palpites eles ficam mais tolerantes. E é gostoso conversar mansamente, cada um ouvindo honestamente o que os outros tem a dizer.
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