Lições para todos os gêneros
No Dia Internacional da Mulher, seria pra lá de interessante a leitura de um texto denominado Um palco para os mitos, uma das partes integrantes do último livro da Lya Luft, Múltipla Escolha, já nas cabeceiras de venda das livrarias. Uma baita advertência que a Lya oferece para mulheres fúteis e homens imaturos, adolescentões, que persistem em não assimilar uma das sabedorias mais esquecidas da atual turbulenta pós-modernidade: “Viver é subir uma escada rolante pelo lado que desce”.O livro da escritora gaúcha, todo rabiscado e já numa segunda leitura, aponta para as imensas contradições dos seres humanos, que buscam a modernidade, sufocando-se debaixo de mil e um preconceitos e cavilações, de crenças infundadas, malas de culpa e quilos de medo, a confundir, segundo ela, palavra e grito, silêncio e frieza, sexismo e sexualidade, informações computadorizadas e conhecimento assimilado, coerências e delírios. Renegados o saudável bom-senso e o nunca desprezível instinto.
A leitura do livro da Lya Luft traz uma estratégia para uma cidadanização contextualizada: um combate sem tréguas para a síndrome do “ter de”, uma virose típica dos anos 2000, de contaminação fácil porque se alimenta do próprio ser humano, a maioria possuidora de “força do espírito de rebanho”. E a Lya não titubeia: “é preciso arriscar, trazer nossos enganos até o chão da realidade, remover suas máscaras e sua mística, e escolher, com audácia se for preciso, que portas vamos abrir ou ignorar”.
Dirigindo-se especificamente às mulheres, a escritora não facilita: “Existe ainda uma parcela que se porta de maneira irresponsável e tola. Se nos vestimos e nos conduzimos como menininhas, difícil nos encararem como personalidades maduras. Se nos apresentamos seminuas e com trejeitos sensuais em público, até no trabalho, vai ser mais duro perceberem nosso talento e capacidade”. E não foge à luta: “Se confundimos autoafirmação com falta de limites, colaboramos com isso que começa a surgir, na literatura, televisão e teatro: a triste imagem de mulheres de cinquenta anos ou mais transando com qualquer amigo de filhos (ou até netos), vestindo-se e portando de maneira extravagante ou agressiva, como se tivesse algo a ver com liberdade e independência”. Lembrei-me imediatamente de uma tal de Vieira, que representou um dos papéis importantes do espetáculo de Nova Jerusalém. Sem qualquer estilo ou classe.
Conheço homens, ridículos todos, que se imaginam “enfiadores de carteirinha”, traçando o que aparece pela frente, como envaidecidos polinizadores, pondo sementes em tudo que é entrada postada nas camas e em outros utensílios, principalmente naquelas que se portam como bonequinhas que ambicionam ter corpo sedutor para parceiros de carteiras recheadas. E que se submetem a caricaturas de transa, onde as decepções acontecem tão logo ultrapassadas as manobras binárias.
Para mulheres infantis e homens imaturos, de bagagem interior deficitária, o medo do envelhecimento é gigantesco. E as aplicações de botox, enfiox, tirox, e um monte de oxes outros, buscam escamotear uma realidade incontestável: “o espírito é mais importante do que rugas, manchas, andar lento e corpo encolhido; o espírito próprio de cada idade”. E feliz daqueles que são proprietários de chipas de bom humor, o que elimina as rugas da alma, as nostalgias sem qualquer significado. A Lya é taxativa: “nenhum artifício, por mais habil que seja, substitui uma mente arejada, a alegria de viver e o prazer das coisas”.
A escritora gaúcha, quando professora universitária, costumava dizer para seus alunos: “Vocês são melhores do que a família, a universidade, a sociedade fazem vocês acreditar que são. Podem render mais, trabalhar melhor e com muito mais prazer”. Um incentivo que produz cada vez mais cabritos amados por Deus, jamais ovelhas rabugentas, de cabeças baixas e traseiras permanentemente submissas às varas.
“Não costumo pensar em mim como mulher, mas como ser humano”, enfatiza a Lya Luft, em seu livro chegado em boa hora nas livrarias brasileiras, onde duas mulheres disputam a presidência da República, sem nunca terem abandonado o ser-mulher, cada uma delas com seu próprio estilo.
PS. O livro de Lya Luft é também muito recomendado para pais e mães abiscoitados, profissionais menos antenados que militam na área da infância e da juventude e religiosos(as) que andam de olhinhos revirados, sempre suspirosos, como se estivessem num inebriante além onde já estariam eternizados antes da hora.