domingo, 11 de abril de 2010

EM DESAMPARO

recebi esse texto por e-mail de uma amiga/irmã, que ficou desalojada de sua casa por três dias, fora os dias que ficou sem luz nem telefone, fixo ou celular, incomunicável e inacessível, ilhada em sua própria casa...
  

EM DESAMPARO

              Apesar de todos os recursos e problemas de uma cidade grande e da proximidade da capital Rio de Janeiro, o município de Niterói guarda entre seus moradores o ar interiorano, aquele do sentimento das amizades vizinhas, do bom dia diário pelas ruas, da camaradagem entre fornecedores e clientes, do orgulho e das dores compartilhadas. Ali, este sentir ainda reside e resiste.
              No total, são pouco mais de 459 mil habitantes, muitos vindos décadas atrás de outras cidades do Interior, em busca de melhores condições de vida ou de estudo naquela que era capital do antigo Estado do Rio, pré-fusão com a Guanabara. Os niteroienses, apesar dos vícios impostos pela corrida vida, guardam a velha mania, passada às novas gerações, do “se importar com a vida dos outros”, com tudo de bom e de incômodo que este comportamento possa impor, mas, acima de tudo, com o humano que esta atitude traduz.
              Por isso, o trauma provocado pelo incêndio em um circo há mais de 40 anos, ainda sensibiliza até aqueles que nem sonhavam em existir. Agora, com a tragédia das chuvas, o olhar de cada niteroiense reflete a exata perplexidade e o desamparo diante das sucessivas desgraças. Não há para onde correr, as ameaças fazem um cerco, deixam a todos reféns de um misto de medo, dor, descrença, indignação, desamparo.
              A indignação diante do jogo de empurra das autoridades nas mais diversas esferas é rastrilho de pólvora: como o desconhecimento da existência de uma comunidade construída sobre um lixão! A população, , se sente como um todo desconhecida, afinal, se os governantes realmente conhecessem os niteroienses, saberiam que eles se conhecem e conhecem sua cidade como ninguém. Quem vive em Niterói não tem como esquecer das obras anunciadas para o Morro do Bumba, até porque, alguns, inclusive, participaram das festivas inaugurações ao lado de muitas dessas “desavisadas autoridades”.
              Niteroiense que é niteroiense, perdoa até mesmo eventuais erros, uma característica da fraterna proximidade, inclusive, entre povo e poder. Mas mesmo entre amigos chegados, o mentir não é de fácil perdão. Ninguém, na verdade, está muito interessado, neste momento, em achar culpados para uma tragédia, mas amigo que é amigo, não admite calado que o outro seja injustamente acusado. Amigo que é amigo, sente e chega junto.
              A chuva, a lama, o lixo não cobriram comunidades isoladas, não atingiram pessoas sem rosto. Em Niterói, todo mundo é, de uma forma ou de outra, no mínimo, amigo do amigo. Desta forma, sua população sofre como um todo, numa só carne, num só luto, numa só dor.
              E aqueles que bem conhecem o niteroiense também deveriam saber que interiorano é bicho bom, mas é esperto que só! Não é à toa que a cidade tem um dos eleitorados mais conscientes do estado e que é considerado um dos mais vanguardistas do país. Quem nasce em Niterói, em sua maior parte, nasce cidadão e, não raro, cata papel jogado na rua para depois lançar o olhar recriminador ao “forasteiro” transgressor pensando que este só pode ser morador novo importado na educação silenciosa do exemplo a ser seguido.
              Os niteroienses, com ceretza, hoje, priorizam o resgate do amigo, do amigo do amigo, do conhecido ou do desconhecido querido. Isto é o que deve importar neste momento. Mas, por outro lado, todos devem estar avisados de que os discursos na base do “passa a bola pro outro”, não passam despercebidos.
Todos na cidade estão certos de que os únicos que não sabiam dos reais riscos que estavam correndo, eram as vítimas hoje enterradas no lixo. O resto é discurso de quem não conhece e não merece ser Niterói, de quem é incapaz de mudar a realidade atual para o futuro que se quer e se espera.
Quem conhece Niterói, sabe que o niteroiense, apesar de sujeito bem humorado, quando fala sério, não joga conversa fora e, com certeza, saberá ser curto e grosso em sua resposta. Quem conhece Niterói, sabe disso!

(Simone Botelho é jornalista e niteroiense)