As mulheres têm de botá-los para fora
Ontem eu vi Comer, Rezar, Amar. Imagino que muitos de vocês já tenham visto. Bonito filme. Me fez pensar sobre um monte de coisas, algumas boas e outras más. Entre
as más, está um fato bem conhecido pelas mulheres, sobre o qual eu
gostaria de escrever hoje: a incapacidade dos homens de ir embora.
É impressionante. Na biografia de
Elizabeth Gilbert, autora do livro que deu origem ao filme, há dois
casamentos, com homens totalmente diferentes, que terminam exatamente do
mesmo jeito: em farrapos, sem sexo e sem amor, mas com um sujeito que
se recusa a admitir a realidade. É ela quem tem de arrumar as malas e ir
embora.
Isso não me causa a menor estranheza. Boa parte
dos casamentos que eu conheci terminaram assim. As mulheres dão fim a
eles. Os homens empurram com a barriga, se adaptam a níveis crescentes
de desconforto, vão ficando. Por anos. Sofrem o apodrecimento diário da
intimidade, a privação física e afetiva do amor que acabou, mas não
rompem. Isso vale para maridos, namorados e até amantes. Todos esperam
que as mulheres ponham fim às relações, saindo da vida deles ou pondo
eles para fora da vida delas. São acomodados, pusilânimes.
Por
que esse comportamento? Eu não sei. Num pedaço bonito do filme, ao
escrever um e-mail para o ex-marido, Gilbert sugere que ele teria medo de
“ser destruído” pela separação. A linguagem parece exagerada, mas faz
sentido. Por que alguém viveria numa pocilga emocional por tanto tempo
se não estivesse inteiramente apavorado com a ideia de ficar só?
A
solidão, para algumas pessoas, em algumas situações, pode ser pior que
sofrimento. Ela equivale a um estado de não existência, uma espécie de
aniquilação. O sujeito não consegue se imaginar fora do casal. Por isso
se agarra a ele de forma obstinada e insensata.
Mas esta é apenas a explicação de Gilbert. Não é necessariamente correta e talvez não sirva para todos os casos.
Quando o sentimento erótico e amoroso acaba, continuamos presos pelo
resto, dependentes como crianças de tudo que a mulher-mãe representa na
nossa vida. Que criança consegue voluntariamente se separar da mãe? É a
mãe que tem de fazer uso da sua autoridade e decretar, para além de
qualquer sombra de dívida, que a relação acabou. Aí o homem-menino
começa a se mexer e procurar outra parceira. Da minha
parte, acho que nós, homens, somos terrivelmente infantis. O casamento,
para muitos de nós, equivale a uma espécie pervertida de adoção. Nossa
mulher se torna a nossa mãe. Ela cuida do nosso bem estar material, nos
dá conforto afetivo, estabelece limites ao nosso comportamento (que nós,
secretamente, transgredimos) e, claro, nos dá carinho físico na forma
de sexo.
Quando o sentimento erótico e amoroso acaba,
continuamos presos pelo resto, dependentes como crianças de tudo que a
mulher-mãe representa na nossa vida. Que criança consegue
voluntariamente se separar da mãe? É a mãe que tem de fazer uso da sua
autoridade e decretar, para além de qualquer sombra de dívida, que a
relação acabou. Aí o homem-menino começa a se mexer e procurar outra
parceira.
Isso parece um clichê ensebado? Parece, mas acho
que explica aspectos importantes da realidade. Antes e depois da
separação. Outro dia, eu almoçava com uma amiga e ela me falou sobre o
comportamento de um ex-namorado, ciumentíssimo, que exigia a presença
dela a todo o momento – e reagia com fúria se ela manifestasse o desejo
de ficar longe dele. O que isso sugere senão uma criança tirânica,
assustada com a ausência da mãe?
Para evitar esse tipo de
relação – e o tipo de separação da história de Gilbert – é melhor
escolher um homem independente, que não precise ser cuidado, tutelado ou
aplacado como um bebê. Nem fique fazendo estripulias para chamar sua
atenção.
Quando o instinto maternal sugerir que você
deveria “tomar conta” daquele marmanjão de vida bagunçada, dê um passo
para trás. Lembre de Comer , Rezar, Amar. Lembre que o momento
em que você se torna a mãe dele é o mesmo momento em o desejo dele e o
seu começam (paradoxalmente) a acabar. Ninguém quer isso para si mesmo,
não é?
IVAN MARTINS
texto publicado no site em 15/12/2010
É editor-executivo de ÉPOCA escreve às quartas-feiras
É editor-executivo de ÉPOCA escreve às quartas-feiras
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI195965-15230,00-HOMENS+NAO+VAO+EMBORA.html