Questões do amor
Regina Navarro Lins fala de sexualidade e relacionamentos
Por que há briga e rancor nos casamentos?
Regina Navarro reflete sobre as frustrações e expectativas geradas em relacionamentos amorosos
Paulo e Sofia são arquitetos, casados há oito anos, com dois
filhos. De uns tempos para cá a convivência está se tornando
insuportável. Paulo, na última sessão de terapia, desabafou: “Não
está dando mais para aguentar. Brigamos por qualquer motivo. Ontem
combinamos de ir ao cinema, mas na última hora apareceu um possível novo
cliente no escritório. Tive que ligar para Sofia e desmarcar. Ela devia
entender, mas não. Tudo é pretexto para discussões intermináveis. Não
devia ter voltado para casa; brigamos até às quatro horas da manhã! O
pior é quando é na frente de outras pessoas. No sábado passado, quando
estávamos saindo com um casal amigo para almoçar, a briga foi por causa
de uma vaga para estacionar o carro. O clima ficou péssimo. As pessoas
ficam sem jeito e nunca sei como contornar essa situação. Parece que é
impossível vivermos em paz. Isso sem contar o mau-humor e as caras
amarradas, que são constantes. Sei que a culpa não é somente dela.
Também fico sem paciência e, em alguns momentos, digo coisas agressivas.
Na verdade, o que não sei é por que ainda ficamos juntos”.
Como no mundo ocidental há a ideia de que ninguém é inteiro, faltando um pedaço em cada um, com o casamento as pessoas imaginam que estarão de tal forma preenchidas, que nada mais vai lhes faltar. A ideia de ter enfim encontrado “a pessoa certa”, “a alma gêmea”, “a outra metade”, faz com que a satisfação das necessidades e carências pessoais seja vista como dever do parceiro. Além disso, se estabelece uma relação simbiótica propícia para que ambos projetem, um no outro, seus aspectos que consideram inaceitáveis, vergonhosos, sujos. Em pouco tempo o outro se torna insuportável, porque passa a ser visto como um poço de defeitos — os próprios e os que foram projetados nele pelo parceiro.
Como no mundo ocidental há a ideia de que ninguém é inteiro, faltando um pedaço em cada um, com o casamento as pessoas imaginam que estarão de tal forma preenchidas, que nada mais vai lhes faltar. A ideia de ter enfim encontrado “a pessoa certa”, “a alma gêmea”, “a outra metade”, faz com que a satisfação das necessidades e carências pessoais seja vista como dever do parceiro. Além disso, se estabelece uma relação simbiótica propícia para que ambos projetem, um no outro, seus aspectos que consideram inaceitáveis, vergonhosos, sujos. Em pouco tempo o outro se torna insuportável, porque passa a ser visto como um poço de defeitos — os próprios e os que foram projetados nele pelo parceiro.
O psicoterapeuta José Ângelo Gaiarsa não tem dúvidas quanto ao ódio
que pode se desenvolver num casamento. “Já vi casais cuja única
finalidade na vida era infernizar e torturar o outro o tempo todo, em
cada frase, em cada olhar. O horror dos horrores. Só dois prisioneiros
vitalícios obrigados a morar para sempre na mesma cela poderiam
desenvolver sentimentos tão terríveis; e só dois que se proibiram de
admitir outra pessoa ou qualquer outra atividade na própria vida chegam a
esse ponto de miséria moral e de degradação recíproca.”
Se a pessoa só é aceita enquanto corresponde à expectativa do outro,
ela fica presa num papel e não pode sair dele. Devido ao descompasso
entre o que se esperava da vida a dois e a realidade, as frustrações vão
se acumulando e, de forma inconsciente, gerando ódio. Eles se cobram,
se criticam e se acusam. Para Virginia Sapir, terapeuta de casais, por
causa da sensação de fracasso, o que mais se vê no casamento são
sentimentos de desprezo e raiva, de um para o outro, e de cada um por
si.
O psicoterapeuta José Angelo Gaiarsa afirma não conhecer rancor pior
que o matrimonial. “A maior parte dos casamentos, durante a maior parte
do tempo, são de precários a péssimos. A cara das pessoas nessa situação
fica de uma feiúra moral que assusta. O clima em torno dos dois é
literalmente irrespirável, sobretudo por acreditarem ambos que têm
razão.”
Para ele, o rancor matrimonial, acima de tudo amarra, pega você de
qualquer jeito, imobiliza, como se você tivesse caído numa teia de
aranha. Quanto mais você se mexe, mais se amargura e raiva sente. Raiva —
que faz brigar; mágoa — que faz chorar. A mistura das duas é o rancor,
um ficar balançando muito e muito tempo entre o homicídio e o suicídio. E
cometendo ambos ao mesmo tempo, conclui ele.
Contudo, até chegar a esse ponto, o casal se esforça para manter a
fantasia do par amoroso idealizado. Toleram demais um ao outro, fazendo
inúmeras concessões, abrindo mão de coisas importantes, acreditando que é
necessário ceder. Como nem sempre isso traz satisfação, eles se cobram,
se criticam e se acusam. As brigas se sucedem. Dependendo do casal, as
acusações podem se renovar ou ser as mesmas, sempre repetidas. Em
muitos casos, os parceiros dependem do outro emocionalmente, precisam do
parceiro para não se sentirem sozinhos e, principalmente, para que seja
o depositário de suas limitações, fracassos, frustrações e também para
responsabilizá-lo pela vida insatisfatória que levam.
O longo tempo de convívio pode transformar os dois ou então tornar
cada um mais preso a seu próprio jeito e hábitos. Isso para se defender
das cobranças, vindas do outro, para que se modifique. A consequência é
um deles se tornar mais rígido, impedido de se desenvolver.
Muitos casais ficam juntos, principalmente, por hábito e por
dependência. Mas com tanta necessidade do outro não é raro haver um
sentimento de ódio por ele, mesmo que inconsciente.
do site:
http://delas.ig.com.br/colunistas/questoesdoamor/por-que-ha-briga-e-rancor-nos-casamentos/c1597364556724.html