sábado, 19 de dezembro de 2009

por Clarisse

Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas.
Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa.
Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes.
Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos.
Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.

[...]Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor.

[...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto.
Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza.
E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.
Sou o que se chama de pessoa impulsiva.
Como descrever?
Acho que assim: vem-me uma idéia ou um sentimento e eu, em vez de refletir sobre o que me veio, ajo quase que imediatamente.
O resultado tem sido meio a meio: às vezes acontece que agi sob uma intuição dessas que não falham, às vezes erro completamente, o que prova que não se tratava de intuição, mas de simples infantilidade.
Trata-se de saber se devo prosseguir nos meus impulsos.
E até que ponto posso controlá-los. [...] Deverei continuar a acertar e a errar, aceitando os resultados resignadamente?
Ou devo lutar e tornar-me uma pessoa mais adulta?
E também tenho medo de tornar-me adulta demais: eu perderia um dos prazeres do que é um jogo infantil, do que tantas vezes é uma alegria pura.
Vou pensar no assunto.
E certamente o resultado ainda virá sob a forma de um impulso.
Não sou madura bastante ainda.
Ou nunca serei.



Clarisse Lispector