segunda-feira, 19 de setembro de 2011

AS RAZÕES DO AMOR- RUBEM ALVES

"Os místicos e os apaixonados concordam em que o amor não tem razões.  Angelus Silésius, místico medieval, disse que ele é como a rosa : "A rosa não tem "porquês". Ela floresce porque floresce."  Drummond repetiu a mesma coisa no seu poema  'As Sem-Razões do Amor'.  É possível que ele tenha se inspirado nestes versos mesmo sem nunca os ter lido, pois as coisas do amor circulam com o vento.

"Eu te amo porque te amo..." - sem razões...  "Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo."  Meu amor independe do que me fazes.  Não cresce do que me dás.  Se fosse assim ele flutuaria ao sabor dos teus gestos.  Teria razões e explicações.  Se um dia teus gestos de amante me faltassem, ele morreria como a flor arrancada da terra.  "Amor é estado de graça e com amor não se paga."  Nada mais falso do que o ditado popular que afirma que "amor com amor se paga".  O amor não é regido pela lógica das trocas comerciais.  Nada te devo.  Nada me deves. Como a rosa que floresce porque floresce, eu te amo porque te amo.

"Amor é dado de graça, é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse.  Amor foge a dicionários e a regulamentos vários...  Amor não se troca...  Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo..."  Drummond tinha de estar apaixonado ao escrever estes versos.  Só os apaixonados acreditam que o amor seja assim, tão sem razões.  Mas eu, talvez por não estar apaixonado (o que é uma pena...), suspeito que o coração tenha regulamentos e dicionários, e Pascal me apoiaria, pois foi ele quem disse que "o coração tem razões que a própria razão desconhece".  Não é que faltem razões ao coração, mas que suas razões estão escritas numa língua que desconhecemos.

Destas razões escritas em língua estranha o próprio Drummond tinha conhecimento, e se perguntava: "Como decifrar pictogramas de há 10 mil anos se nem sei decifrar minha escrita interior?  A verdade essencial é o desconhecido que me habita e a cada amanhecer me dá um soco."  O amor será isto: um soco que o desconhecido me dá?

Ao apaixonado a decifração desta língua está proibida, pois se ele a entender, o amor se irá.  Como na história de Barba Azul: se a porta proibida for aberta, a felicidade estará perdida.  Foi assim que o paraíso se perdeu: quando o amor - frágil bolha de sabão - não contente com sua felicidade inconsciente, se deixou morder pelo desejo de saber.  O amor não sabia que sua felicidade só pode existir na ignorância das suas razões.  Kierkegaard comentava o absurdo de se pedir aos amantes explicações para o seu amor.  A esta pergunta eles só possuem uma resposta: o silêncio.  Mas que se lhes peça simplesmente falar sobre o seu amor - sem explicar.   E eles falarão por dias, sem parar... Mas - eu já disse - não estou apaixonado.  Olho para o amor com olhos de suspeita, curiosos.  Quero decifrar sua língua desconhecida.  Procuro, ao contrário do Drummond, as cem razões do amor...

Vou a Santo Agostinho, em busca de sua sabedoria.  Releio as Confissões, texto de um velho que meditava sobre o amor sem estar apaixonado.  Possivelmente aí se encontre a análise mais penetrante das razões do amor jamais escrita.  E me defronto com a pergunta que nenhum apaixonado poderia jamais fazer:  "Que é que eu amo quando amo o meu Deus?"  Imaginem que um apaixonado fizesse essa pergunta à sua amada: "Que é que eu amo quando te amo?"  Seria, talvez, o fim de uma estória de amor.  Pois esta pergunta revela um segredo que nenhum amante pode suportar: que ao amar a amada o amante está amando uma outra coisa que não é ela.  Nas palavras de Hermann Hesse, "o que amamos é sempre um símbolo".  aí, conclui ele, a impossibilidade de fixar o seu amor em qualquer coisa sobre a terra..."