segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Contigo e "Sentigo"


Sabemos como foi uma paixão pelo modo como ela termina. Essa frase está no livro O Passado, do argentino Alan Pauls, mas não precisaria estar em livro nenhum para que a avalizássemos. A maneira como se coloca o ponto final nas relações deixa evidente o verdadeiro espírito que norteou o que foi vivido.
Que tipo de final desejamos? De preferência, nenhum. Todo mundo quer um amor para sempre, desde que ele se mantenha estimulante, surpreendente, alegre, à prova de tédio. Ou seja, um amor miraculoso. Como milagre é do departamento das coisas impossíveis, é natural que as relações durem alguns anos ou muitos anos, e depois acabem.
Lei da vida. Sofre-se o diabo, mas raros são aqueles homens e mulheres que nunca passaram por isso. O que fazer para amenizar a dor? Talvez ajude se analisarmos o final para entender como foi o durante.
Há os finais chamados civilizados. Ambos os envolvidos percebem o desgaste do relacionamento, conversam sobre isso, tentam mais um pouco, conversam novamente, arrastam a história mais uns meses, veem que nada está melhorando, aguardam passar o Natal e o Ano-Novo, fazem uma última tentativa e então decidem: fim.
Lógico que é dilacerante. Não é nada fácil fazer uma mala, dividir os pertences e estipular visitas aos filhos, quando há filhos. A solidão espreita e assusta, e um restinho de dúvida sempre surge na hora do abraço de despedida. Mas foi um “the end” sem derramamento de sangue. Como conseguiram a façanha?
Provavelmente porque sempre escutaram um ao outro, porque não fizeram da relação um campo minado, porque as brigas eram exceções e não regra. É possível também que a relação fosse mais racional do que animal: ternura é bem diferente de paixão. Mas, enfim, mesmo sofrendo com a ruptura, deram a ela um fim digno, condizente com o que de bacana viveram juntos.

Agora vamos ao outro tipo de separação. Tire as crianças da sala.

A relação acaba geralmente depois de um ataque de ofensas, de uns “não aguento mais”, de muita choradeira, de cortes na alma, de desconstrução total, de confissões gritadas: “Quer saber? Eu fiquei com ela sim!”. Garanto que se amam mais do que aquele casal que se separou assepticamente, mas perderam toda a paciência um com o outro, e também todo o respeito, e atingiram um limite difícil de transpor. Por que, depois desse quebra-quebra, não tentam um papo conciliador? Ora, porque não fazem a mínima ideia do que seja isso.
Sempre foram atormentados pelo ciúme, pelas implicâncias diárias, pelas oscilações de humor, pela alternância de “te amo” e “te odeio”. Terminam falando mal um do outro para quem quiser ouvir, e não raro aprontam umas vingançazinhas. Tudo muito, muito longe do sublime.
Tive um vizinho de porta que gritava com a namorada ao telefone, sem se importar que o prédio inteiro ouvisse: “Não sei o que fazer! Fico mal contigo e fico mal sentigo!”. Sempre achei essa situação desoladora, e nem estou falando do português do sujeito. É duro ter apenas duas alternativas (ficar ou ir embora), e ambas serem terríveis.
Quando acaba docemente, é sinal de que você foi feliz e nada há para se lamentar. Se acaba de forma azeda, é porque a relação era mesmo uma neura e tampouco se deve lamentar. Nos dois casos, a performance final ao menos ajuda a compreender o que foi vivido e a se preparar para um novo amor que não acabe nunca. Em tese.

Martha Medeiros

O Globo em 14/11/2010