depois de trocentos anos sem postar nada, depois de ver o Laerte-se no Netflix recebi esse texto encaminhado por uma rirmãzinha...
sou superfã da Elika, quando crescer quero ser parecidinha com ela...
Dona Josefa é uma avó dessas adoráveis que dão trocado para os netos e frequentam teatros pela cidade. Acha-se prafrentex e orgulha-se de ser toda despida de preconceitos. Josefa tem umx netx Ricardx que anda apresentando, digamos, um certo desafio à família pelas limitações que o dicionários nos oferece. Fofa que é, foi conversar com elx demonstrando seu apoio e sua compreensão:
– Ricardo, meu neto, vovó te entende, mas seu pai tem lá os preconceitos dele. A homofobia é muito estrutural em nossa sociedade. Temos que ter paciência… Eu, por exemplo, demorei a entender, mas hoje eu sei que atualmente todo mundo é bi assim como você, não é mesmo? – disse a senhorinha toda moderninha e simpática.
– Vó , eu sou pan. – explicou Ricardo.
– Pan?, assustou-se Josefa, o que é isso?
– Pansexual. É quem curte qualquer tipo de pessoa.
– Bi, Ricardinho querido. Então, estou certa. Quem curte homem e mulher é bisexual, meu filho. Bi e pan é tudo a mesma coisa, querido.
– Não, vó. Não é bem assim… Eu me apaixonei por um trans não binário.
– E o que isso, Jesus? É uma máquina tipo um robô? Você se apaixonou por um computador tipo Her, aquele filme? Tudo bem se for isso também, meu neto. – disse ela hiper sincera porque quem ama entende e empatia está aí para ser usada nessas horas.
– Não, vó… eu também não sou esse cis que a senhora pensa.
– Ricardo querido, você não é o quê, meu bem? – perguntou a senhora com o zóio regalado.
– Cis, vó, é o antônimo de trans. Transgênero é pessoa que não se identifica com as características do gênero designado a ela no nascimento. O cisgênero fica deboa com a definição de gênero dada pelo órgão genital que possui no meio das pernas. Não é o meu caso agora. Isso que estou querendo te dizer.
– Bissexual não é trans?
– Nada a ver, vó. A senhora está confundindo tudo. A minha orientação sexual não tem nada a ver com a minha identidade de gênero.
Josefa procurava manter a naturalidade mas, lá no fundo, estava achando que aquilo estava longe demais de sua compreensão e isso a incomodava já que ela era dessas de amar também com a razão.
– Ricardo, meu filho, eu já havia convencido seu pai que não havia problema nenhum você ser gay quando você começou a demonstrar um jeito mais afeminado. Depois você apareceu namorando a Juliana e nos confundiu um pouco. Ok. Daí depois você se apaixonou pelo Leonardo e eu entendi quando você disse que era bissexual. Há mais do que isso, Ricardo?! – sondou a avó com certo temor.
– Pouca coisa, vó, tipo uma pequena infinidade. Eu me identifico mesmo com o gênero feminino agora. – disse Ricardx.
– Você está me dizendo que agora gosta de mulher, é isso?
– Não. Já te falei, vó. Você está confundindo orientação sexual com identidade de gênero. Estou dizendo que sou mulher, vó.
– Você então é um homem trans. Já ouvi esse termo. Entendi, querido.- disse a avó ainda tensa.
– Não. Sou uma mulher trans, vó.
– Você é uma mulher trans porque nasceu homem e se sente uma mulher, é isso? – tentou entender Josefa.
– A senhora está sendo preconceituosa falando assim, vó. – engrossou ela.
– Tô tentando entender, cacete!, descompensou-se a meiga da dona Josefa. Onde está meu preconceito?
– Seu discurso define o que é natural e o que não é natural e isso não é nada bacana para a humanidade. – explicou Ricardx.
– Mas para ser mulher você não tem que operar e ficar igual a uma?
– Nada disso. Se eu me reconheço mulher eu sou uma mulher. Minha identidade de gênero não está instalada no meu genital e sim na minha mente.- disse Ricardx super segurx.
– Faz sentido. – raciocinou Josefa – Se gênero estivesse instalado no genital das pessoas, quando um homem tivesse seu pênis amputado em um acidente ele deixaria de ser homem.
– Sim,vó. Isso mesmo. E há mulheres trans que não tem dinheiro e saúde para operar ou simplesmente não querem, como eu.
– Mas você nem depila a perna como as mulheres! Como pode se sentir uma mulher assim com essas pernas cabeludas, Ricardo?
– Há mulheres que não se depilam, vó. Isso é cultural.
– Ok ok…, convenceu-se Josefa. E você namora o ‘que’ agora?
– Vó… reformule, vó, reformule pelamoooooordedeus. – avisou Ricardx.
– ‘Quem’ você namora, meu filho, quer dizer, minha filha, ai cacete, Ricardo, você está me deixando confusa! Você agora gosta de homem ou de mulher?
– Então, vó, é isso que estou querendo te explicar. Nem uma coisa nem outra.
– Como assim, meu pai? Como assim?!
– Juju não se sente confortável em se classificar em um dos gêneros. Como não posso apontar para essa pessoa e dizer se é homem ou mulher, também não posso me definir como hétero, homo ou bi nesse caso. Por isso, sou pansexual, vó, apaixonada por um trans não binário andrógino.
– Mas essa pessoa Juju nasceu homem ou mulher? – questionou a avó desconstruída parcialmente.
– O que importa? Desapega do dicionário, vó. Desapega que isso só gera sofrimento.
– Ok ok…
Dona Josefa percebeu que querer entender é tentar limitar com palavras (necessárias para qualquer explicação) as infinitas formas de ser e amar. Bobagem alimentar a ilusão de que conseguimos racionalizar sentimentos, pensou ela.
– Quer uns dinheirinhos para passear com Juju?
E foi ao teatro feliz e contente.
no blog https://elikatakimoto.com/2017/05/21/conversando-sobre-sexo-com-vovo/