quase dois meses sem postar, meio desanimada, vendo mais filmes que lendo, se bem que não deixo de ler nunca, meu vício e minha paixão...
aí fico gripada no meio do feriado de Páscoa, e tchan, deixo de viajar na boa pra ler trocentas mil coisas acumuladas, tantas que o tempo é pouco pro muito e tanto que quero, e muito mais ainda que vai ficar na pilha dos "pra ler depois"...
piora muito pq acabei de comprar mais 5 livros no estante virtual... qd me pedem livros emprestados, hj em dia, praticamente não tenho mais quase nada pra que não seja coisa que estudo, percebo que quase não leio mais romance, ficção, ainda um pouco de poesia, que é coisa nova pra mim, - fui mais afeita textos cursivos, densos, pra ser ler poesia há que ser outro tempo, que pra mim é novidade -, é tudo livro de Psicologia, Antropologia, Filosofia, Sociologia... - e não é todo mundo que gosta de leitura assim, tão específica, e rio pra mim mesma - que ponto chega o "#cerumano", assim caminha a humanidade, tempo de ócio criativo, sem silêncio a gente não pensa, não cria, não entende, não processa, não elabora...
gosto das minhas solidões e dos meus silêncios...
eles não são vazios, muito pelo contrário, são ricos, profundos, visceralmente vividos e plenamente cheios...
como tudo que posto, vou montando minha colcha de retalhos que molda meu sentir e meu pensar, ajudando a construir quem eu sou.
=)
super curti e por isso compartilho aqui esse texto, de uma grande reflexão, grande autora! não conheço pessoalmente, só vi em entrevistas pela TV, mas gentem... escreve super bem, essa mulher têm DOIS PÓS DOCs, SABE LÁ O QUE É ISSO????
tem o meu respeito!!!!
BATEU, LEVOU! O QUE DIZEM OS LUTADORES DE MMA(1)
JOANA DE VILHENA NOVAES é
Psicanalista. Pós-Doutora em Psicologia Médica (UERJ). Pós-doutora em
Psicologia Social (UERJ). Doutora em Psicologia Clínica (PUC-Rio).
Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório
Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social, LIPIS da PUC-Rio.
Pesquisadora correspondente do Centre de Recherches Psychanalyse et
Médecine - CRPM-Pandora. Université Denis-Diderot, Paris VII. Autora
dos livros: O intolerável peso da feiúra. Sobre as mulheres e seus
corpos. PUC/Garamond (2006). Com que corpo eu vou? Sociabilidade e usos
do corpo nas mulheres das camadas altas e populares. Pallas/PUC (2010).
Corpo pra que te quero? Usos, abusos, desusos. Em co-organização com
Junia de Vilhena. Appris/PUC (2012). www.joanadevilhenanovaes.com.br E-mail: joanavnovaes@gmail.com
Resumo:
Partindo do recente fenômeno de popularização do vale-tudo no Brasil, o
artigo tem como objetivo investigar as representações sociais em
torno dessa prática esportiva. Através da escuta de lutadores de MMA
buscamos entender uma prática que, cada vez mais, ganha adeptos,
admiradores bem como críticos ferrenhos.
Palavras-chave: corpo, disciplina, violência, visibilidade e identidade.
KNOCK OUT! WHAT DO THE MMA FIGHTERS SAYS
Abstract: The article aims to investigate the
social representations of the practice of MMA in our society. By
listening MMA fighters we seek to understand a sport that,
increasingly, gains fans, admirers and critics of all kinds.
Keywords: body, discipline, violence, visibility and identity.
INTRODUÇÃO
Partindo do recente fenômeno de popularização do vale-tudo no
Brasil, o artigo tem como objetivo investigar as representações sociais
em torno dessa prática esportiva. Através da escuta de lutadores de
MMA buscamos entender uma prática que, cada vez mais, ganha adeptos,
admiradores bem como críticos ferrenhos. O que significa um corpo que
não sabe o que é viver sem dor e no qual a disciplina é assimilada
através da luta, foi algumas das indagações que nortearam esse estudo.
Parte de uma pesquisa mais extensa, buscamos, neste trabalho,
apresentar de forma bastante resumida, alguns dos resultados que
julgamos mais relevantes.
Conforme demonstraram nossos entrevistados, nesse universo o corpo é
uma moeda de troca valiosa e devidamente adestrado através de um
rígido controle de si, leva à ascensão social.
Além disso, verificou-se que essa prática corporal constitui um
importante meio de sociabilidade, contribuindo para a formação de um
universo bastante hierarquizado, no qual a transmissão da técnica
corporal reforça a construção identitária masculina. Finalmente, desse
estudo também derivou uma discussão, bastante polêmica, sobre o
estatuto que as práticas de combate assumem no imaginário social:
tratar-se-ia, pois, de uma violência gratuita espetacularizada ou
destino biológico?
Chegando de mansinho: sobre o reconhecimento do território
O contato com uma academia de MMA (prática que condensa múltiplas
artes marciais) é impactante sob vários aspectos: o primeiro é através
do olfato, uma vez que a primeira impressão que toma literalmente, de
assalto qualquer estrangeiro ao meio, é o forte odor de suor
potencializado pela adesão à uma dieta rica em proteínas que muitos
desses lutadores fazem uso antes das competições. Esses ambientes
rescendem à testosterona, e é justamente ela que nos recepciona fazendo a
devida introdução ao universo pesquisado!
Embora a apresentação do ambiente não seja das mais convidativas,
após um tempo no local, percebo que os lutadores constituem um grupo
bastante coeso, algo da ordem de uma fratria, irmandade ou mesmo uma
família-, ou seja, uma prática cuja disciplina promove o sentimento de
pertencimento e que por isso faz com que o sujeito sinta-se acolhido.
Pertencimento, aliás, é o sentimento que permeia as diferentes falas
como veremos adiante.
Difícil não sentir alguma dose de desconforto em um campo impregnado
de significantes tão fortes! Afinal, como nos lembra Bourdieu (1980), -
transgressão tem a ver com domínio e sentir-se a vontade está
diretamente relacionado a ter familiaridade com as regras do jogo.
Em uma perspectiva sociológica, o “outro” só passa a ser considerado
objeto de aceitação ou negação a partir de determinado grau de
conhecimento, formulado a priori e numa relação de proximidade (física,
cognitiva e moral). O “estranho”, neste caso, é representado pelo
“outro-diferente” e pela falta de conhecimento objetivo sobre ele. No
entanto, o “estranho”, como já apontava Freud (1919), não é apenas uma
representação daquilo que desconhecemos no outro, mas principalmente
daquilo que desconhecemos em nós mesmos-, ou ainda, que não queremos
reconhecer em nós mesmos. Na ausência de referências, qual seria então a
moeda de troca?
Tanto na clínica quanto na prática de pesquisa, aprendi que uma
escuta atenta, sensível e acurada pode nos servir de múltiplas formas.
Oferecer uma escuta significa valorizar, conferir status ao sujeito e
confirmar sua importância. Em um ambiente altamente hierarquizado,
coeso e no qual submissão e respeito são palavras de ordem, lição
depreendida em uma visita anterior ao universo do jiu-jítsu, esse
conhecimento me foi útil para tentar adequar a minha aproximação
naquilo que supus fosse, em princípio, um ambiente hostil. Nada mais
respeitoso que dar a palavra a quem se dispõe a conosco conversar.
“O treino é duro, tem que ter disciplina até criar resistência,
mas somos todos parceiros, temos cumplicidade e respeito, pois isso
aqui acaba sendo uma grande família, vira tudo brother, a equipe serve
para dar suporte e tem o mestre que nos transmite os seus ensinamentos a
cada treino”. (B.6)
Trocando em miúdos: notas sobre o campo e seus personagens
Todo pesquisador tem uma dívida com seus entrevistados e com o
conhecimento que produz. Penso ser esta uma prática bastante violenta.
Contudo, apesar do preconceito, falta, antes de prosseguir, registrar o
meu reconhecimento ao tempo despendido por todos os meus entrevistados
nos inúmeros encontros que tivemos.
Ainda que não me tenha sido solicitado, optei por não identificar meus entrevistados à exceção de Giovanni Tonzano
(2), dono da Academia
Coach, em Copacabana e Claudio Coelho da Academia
Nobre Arte,
no morro do Cantagalo. Busquei, ainda, retirar qualquer coisa mais
específica que pudesse identificar os sujeitos sem, entretanto,
prejudicar a essência do que me estava sendo transmitido. Este cuidado,
talvez excessivo para muitos, redunda não apenas de minha experiência
clinica, como da preocupação em preservar a privacidade dos
entrevistados-, sejam eles publicamente conhecidos ou não.
UM CORPO QUE DÓI: HABITUS, RESISTÊNCIA E ADESTRAMENTO
Conforme apontam White, Young & Mcteer (1995), é através dos
treinos que o sujeito masculino vai sendo modelado. É também no
treinamento que o corpo assimila a disciplina, dando ao atleta o
controle de si como tão bem sinalizou Foucault (1985), ao discorrer
sobre as tecnologias do eu, relações de controle e domínio em sua
genealogia do poder.
Com as técnicas corporais incorporadas e o domínio do corpo, os
lutadores adquirem uma valiosa estratégia/capital contra os seus
oponentes. Aprendem a controlar a dor, superá-la, neutralizá-la e até
mesmo dissimulá-la. Suportam e convivem com a mesma de forma tão
intensa e constante que, na sua ausência, desconfiam não estar
desempenhando o seu papel corretamente, como nos mostram as falas dos
nossos entrevistados, sugerindo estranhamento ao treinar sem dor.
“Vivo com dor, assim é a vida de um atleta e quando não é assim
até estranho e desconfio que não ando treinando direito (risos). Treino
em média umas oito ou nove horas por dia e nas semanas que antecedem
as competições uso o meu corpo até o limite, chego em casa, como, tomo
banho, dou um beijo na minha mulher e desmaio exausto, as vezes chego e
ela já tá até dormindo, mas é o meu instrumento de trabalho, meio de
sustento e a razão de ter conquistado tudo na minha vida até agora. Tá
vendo aqui (apontando para o bíceps) faço muita fisioterapia e treino
com dor direto, por isso vim enfaixado e com a tipóia.( B.1, 33 anos,
lutador de UFC – BTT).
VALE QUANTO PESA: CORPO, DISCIPLINA E CONTROLE DE SI
Das falas apresentadas estas talvez sejam as que mais
guardem semelhanças com o campo das academias de ginástica freqüentadas
por mulheres de classe média alta. Em estudos anteriores, (Novaes,
2001; 2006; 2007; 2011) ao falar sobre os usos do corpo na sociedade de
consumo/cultura carioca, enfatizei a crescente relação persecutória
com a balança que fazia, muitas vezes, da malhação o sintoma de uma
profunda insatisfação com a própria aparência. Esse desconforto
espelhava um agudo sofrimento psíquico que era potencializado pelo
horror à gordura do qual somos todos testemunhas.
“O momento da pesagem é tenso, é a única hora em
que não gosto e me arrependo de ser um lutador profissional. Chega umas
três semanas antes da luta e o corte tem que ser muito radical, tipo
assim porque você as vezes tem que perder doze quilos e senão perder é
penalizado e não luta. Vai chegando perto da luta o treino intensifica e
você vai ficando mais ansioso porque sabe que tem que perder.... é
sinistro. Lembro uma vez em Brasília que simplesmente não conseguia
enxugar o que precisava pra minha categoria, estagnei no peso, por
causa do clima seco eu praticamente não suava nos treinos, por mais que
me enchesse de roupa feito hoje aqui, por exemplo, que estou usando
duas camisetas, uma até de manga comprida, que é para aumentar o gasto
calórico e eu poder comer algum carboidrato” (B.2)
“Pô essa parte da dieta antes da pesagem é f..... é muita
restrição, uma semana antes da luta chego a sonhar com Mc Donald, rola
uma fissura mesmo, porque chega assim uns dois, três dias antes da
pesagem e é só dieta líquida, isso porque nessas semanas que antecedem
você já é obrigado a ir cortando sal ,açúcar, leite e termina só na
proteína mesmo. A dieta, antes do combate, talvez seja o que exija mais
autocontrole, disciplina e privação do profissional” (B.4)
Não pude deixar de recordar a fala de uma de minhas primeiras entrevistadas, na época com 16 anos e que me disse: “
Não vejo a hora de ficar velha para poder comer uma macarronada sem culpa”.
(Novaes 2001:43) Tantos anos se passaram, entrevisto agora pessoas tão
diferentes e a sensação da balança perseguindo permanece a mesma!
CORPO: IDENTIDADE, INVESTIMENTO E CONSUMO
Segundo Rodrigues (1986), o corpo, em uma civilização de abundância
industrial, tem uma nova tarefa. Ainda que não seja mais um
corpo-ferramenta deverá ser um corpo consumidor, individualizado, livre
e, sobretudo, cuidado.
Para Rodrigues (op.cit) é fundamental entendê-lo para podermos falar
no corpo liberado. Inadequado para as fábricas, para que servirá este
corpo moderno?
Não há como ignorar o vetor financeiro uma vez que a indústria da
luta (Culto ao corpo, consumo de insumos esportivos + produção e
veiculação de imagens violentas que geram altos índices de audiência)
vem demonstrando ser bastante lucrativa, movimentando cifras bastante
altas, agora disputadas pela grande mídia televisiva que busca deter os
direitos de exclusividade de exibição dos combates de MMA. Dentre eles
o UFC é o campeonato de maior prestígio, considerado a elite no
universo das lutas.
Um capital, ou um tipo de capital, é aquilo que é eficaz em um
determinado campo. É ao mesmo tempo a arma e o que se disputa, o que
permite a seu detentor exercer poder, influência, e, portanto, existir
em determinado campo, em vez de ser uma simples quantidade
negligenciável. No trabalho empírico é uma só e mesma coisa determinar o
que é campo, seus limites, os tipos de capital atuantes, qual alcance
de seus efeitos, etc. Vemos que as noções de capital e de campo são
estreitamente interdependentes.(Bourdieu,1980:4).
Trata-se, assim, do corpo como valor e moeda de troca –, capital.
“Se a luta não tivesse me dado a oportunidade de ganhar o mundo e
ter mobilidade social talvez estivesse envolvido com o mundo do samba,
da malandragem, porque eu ia sempre nos ensaios, meu pai, que é
alfaiate, é um cara bem conhecido nesse meio, sei lá.... tenho muito
orgulho da minha origem, mas sei que de onde eu vim é preciso ter
sagacidade pra sobreviver e se dar bem e a luta me deu isso, viajei,
comprei e conquistei coisas... nem sei onde eu estaria se não lutasse
e praticasse o bem.” (B.1)
“Foi com a luta que eu consegui a segurança que não tinha quando
era mais novo, quando te disse que era um adolescente inseguro por
conta dos meus pais serem separados. Acho que os treinos te dão isso,
ele te exige persistência e obstinação para não desistir dos seus
objetivos, te dá força, torna o cara resistente é o que eu sempre
procuro passar para os meninos da minha equipe. A luta te prepara para
ser um ganhador, te faz encarar melhor as revanches da vida, mas ao
mesmo tempo te ensina, física e emocionalmente, a suportar melhor as
derrotas.” (B1)
“A luta foi muito importante na minha formação, ela ajudou a
formatar a minha personalidade e o meu caráter como homem, reforçando
valores como a hombridade e o respeito. Além disso, me deu autonomia
financeira, reconhecimento, notoriedade e visibilidade até eu poder
criar a minha equipe e passar para eles a minha técnica” (B.6)
Nesse sentido, ao falar da formação identitária dentro de grupos
sociais específicos, o pensamento de Cecchetto (2004) parece estar bem
afinado com a fala do nosso entrevistado, no tocante ao fato dos
esportes de combate potencializarem habilidades baseadas na resistência
e na técnica. Esses atributos comparecem no discurso dos lutadores
através da crença de que buscar a vitória nos combates, interfere na
própria formação, fazendo com que o sujeito desenvolva características
de personalidade, tais como a tenacidade e a obstinação.
DE VOLTA À ARENA ROMANA: VIOLÊNCIA GRATUITA OU DESTINO BIOLÓGICO?
Segundo Jurandir Freire Costa (1985), a violência pode ser definida
pelo desejo de humilhar e degradar o outro. É porque o sujeito
violentado (ou o observador externo) percebe no sujeito violentador o
desejo de destruição (desejo de morte, de fazer sofrer) que a ação
agressiva ganha o significado de ação violenta. Não existe violência
sem desejo de destruição. A violência definida como agressividade e
equiparada a um impulso instintivo e termina por ser trivializada.
Escolhemos a definição do autor para iniciar o que talvez seja a
categoria de análise mais polêmica desse estudo, já que a não é
mistério a crença de muitos e o discurso partilhado por outros tantos
acerca das lutas como um exercício de violência gratuita e
espetacularizada: a volta à arena romana.
Relendo o texto freudiano, ao mesmo tempo em que traz as concepções
de Hanna Arendt sobre a relação da violência com o poder, Costa
(op.cit) vai nos conduzindo ao caminho da violência como desejo, jamais
como algo “irracional” ou da “natureza humana”.
Para o autor a banalização da violência é, talvez, um dos aliados
mais fortes de sua perpetuação A resignação de que somos
"instintivamente violentos" faz com que o homem se curve a uma
inexorabilidade igual à da morte. Faz dela seu "destino biológico" ou o
princípio e o fim de seu destino psíquico, social ou cultural. Não há,
portanto, violência instintiva, porque falar de violência é falar de
uma intenção de destruir.
Violência é, então, o emprego desejado da agressividade, com fins
destrutivos. A irracionalidade do comportamento violento deve-se ao
fato de que a razão desconhece os móveis verdadeiros de suas intenções e
finalidades. Esta definição nos será útil ao interpretarmos as falas
de nossos entrevistados.
Em suas falas percebemos como a “violência da luta” não é, de forma
alguma, percebida como um ato violento - quando muito, trata-se de
agressividade inerente a todo ser humano.
A argumentação é a da existência de inúmeras regras e normas que,
caso não respeitadas, penalizam o lutador, impedindo/balizando os
chamados impulsos violentos que possam, por ventura, partir deles. Ou
seja, o argumento da “
gratuidade, violência e barbárie” é combatido em face de existência de uma lei.
“A maioria das pessoas acusa o vale-tudo de ser um esporte
violento, mas desde os gregos todo mundo adora ver porrada – foi e
sempre será assim. É o institnto animal que todo homem tem. Não é
violência é agressividade, luta pela sobrevivência, a parada é
biológica – violência é estuprar, roubar, matar – o MMA é um esporte,
tem regras que se não forem respeitadas o combate é interrompido na
hora visando preservar a integridade física dos atletas”. (Giovanni)
"Essa imagem que as pessoas têm do lutador porradeiro, marginal e
bandido é que estigmatiza a gente! Você veio aqui entrevistar a gente
com essa ideia também? Acha a mesma coisa que apareceu outro dia na
matéria da Rede TV? Essa imagem tem a ver com aqueles pitboys de classe
média, zona sul, na década de noventa que ficavam deslumbrados com as
técnicas que aprendiam com o jiu-jitsu e saíam brigando em boite”.(B.1)
Outro argumento bastante utilizado nas respostas dos lutadores e
treinadores entrevistados foi a menção à teoria Darwiniana na intenção
de dar sentido à prática esportiva desses embates. A noção
evolucionista de que somente o mais forte e apto deve sobreviver,
parece pautar a lógica desse campo - a luta reproduziria, assim, o
show da vida na sua luta pela sobrevivência: que vença o mais forte!
“Mas acho que na luta é como no reino animal, sobrevive o mais
forte, o mais apto. Na verdade com a evolução da espécie humana também
foi assim, não mesmo? Prevaleceu o mais resistente, o mais sagaz, o mais
forte...."(B.3)
Para Hanna Arendt o argumento que faz da agressividade instintiva,
do "componente animal no homem", a causa da violência, baseia-se numa
redundância do tipo "o homem comporta-se como um animal porque é um
animal". Segundo a autora:
Para saber que o povo lutará por sua pátria não precisamos
descobrir instintos de territorialismo nas formigas, peixes e macacos;
para aprender que a superpopulação resulta em irritação e
agressividade, não temos que fazer experiências com ratos. Basta passar
um dia nos cortiços das grandes cidades (1979:139).
Sobre o imaginário popular e as representações sociais das artes
marciais nas classes populares nos fala Claudio Coelho, - dono da
academia de boxe Nobre Arte e responsável por um projeto social (e de
vida) que tem como objetivo ensinar essa prática esportiva aos jovens
daquela comunidade. Com seu tom de voz quase sempre gritado, denotando
aspereza e calejamento, o treinador combate a noção de violência
gratuita que é atribuída ao esporte, revelando que a luta pode
configurar uma das estratégias de sobrevivência em um território que
não dá a todos as mesmas chances de competitividade e, portanto,
possibilita aos jovens encontrar no esporte, muitas vezes, uma
possibilidade de vencer as adversidades.
“As pessoas acusam a luta de ser um troço violento, achavam que
era coisa de marginal. Violento é o mundo, isso aqui é a saída do
inferno, que a vida por aqui pode se tornar para muitos desses meninos.
Poderia te contar uma infinidade de histórias de meninos que a luta
fez renascer. Vou lhe ensinar uma coisa, aqui funciona assim, minha
querida: no asfalto, quando algo dá errado em casa, a meninada sai
dando porrada na rua, aqui, dá em tiro mesmo, é pá, pum, vacilou
dançou, não tem essa de trabalho comunitário não, é cadeia mesmo – é a
lei do cão. É por essas e outras que a cada. menino que conseguia
tirar do tráfico era uma vitória, um assalto ganho na luta. Vir aqui
lutar para esses meninos não significa aprender a sair dando porrada a
torto e a direito, significa passar a ter alguém que se preocupa e se
interessa pela vida daquele moleque, que muitas vezes é caótica, sem
perspectiva. É também e, acima de tudo, passar a ser enxergado, por
isso que eu grito e cobro, dentro e fora do treino. É também obriga-los
a frequentar a escola antes de treinar, eu tenho esse dever com a
formação deles, muitas vezes eles chegam aqui meio gente, meio qualquer
coisa e saem homens, esse é o meu maior orgulho!. O garoto passa a ter
aqui, uma família estruturada e pai de verdade, que ama, cobra, grita e
tem que ser duro, as vezes implacável e muito agressivo. Eu falo a
língua deles porque vim do mesmo lugar e sei que mundo aqui em cima é
mais duro, dói e cria feridas, para sobreviver tem que ser casca
grossa! - tenha sempre isso na cabeça quando for escrever essa sua
pesquisa aí”. (Claudio Coelho)
Conforme pudemos observar, aqui o argumento da lei é novamente
trazido à tona. Entretanto, ao invés de remeter às rígidas regras do
universo esportivo, em função de demandas e carências inerentes ao
meio, parece cristalizar-se na figura do treinador que assume uma
função paterna organizadora. Nesse novo código interpretativo, o limite
imposto pela disciplina é interpretado como um amor que retira crianças
e adolescentes de um universo precário, muitas vezes de desamparo
absoluto e no qual a estratégia de sobrevivência são as redes de
solidariedade. Não à toa, uma das primeiras inscrições que é possível
ler nas paredes da academia do Cantagalo, refere-se ao fato da
solidariedade ser um esporte coletivo, - sentimento que posto em
prática e vivenciado pelo sujeito, ameniza a dor de outro tipo de
violência, bem como de toda sorte de privação, dessa vez não somente
concretas, mas sobretudo, simbólicas!
Considerações finais
Ao final da pesquisa realizada não me tornei uma fã das lutas e, certamente
,
creio que há outras formas de inserção, reconhecimento, visibilidade e
ascensão - poucas é verdade. Ainda vejo a luta como extremamente
violenta e lamento que sua espetacularização reflita tanto os tempos em
que vivemos.
Mas, se há algo que venho aprendendo nestes anos em pesquisas de
campo é que se não tivermos uma escuta atenta e respeitosa perderemos o
que há de singular e único em cada um de nossos entrevistados. Isto
não significa deixar de ser crítica. A grande maioria de meus
entrevistados, mesmo na brutalidade de seus ofícios como lutadores,
sempre demonstrou uma imensa delicadeza e atenção para com todos no seu
entorno (fora da luta - é obvio!) e um profundo respeito com as
regras estabelecidas. Sejam elas as da luta sejam as de minhas
entrevistas.
Não há dúvida que a luta, com tudo o que esta implica (grupo,
regras, disciplina, valorização e recompensa) foi um fator redentor
e/ou de mudança e/ou salvação para muitos destes homens; assim eles nos
falam todo o tempo. Nesse sentido suas falas espelham o imaginário
social sobre o “Lutador Ideal”, revelando elementos, aparentemente,
consensuais sobre essa figura.
Os esportes de combate, com ou sem armas, evocam uma habilidade
baseada na força e na técnica, atributos que seus praticantes acreditam
que devem possuir e adquirir para construir socialmente sua
masculinidade. Demonstrar tenacidade e determinação seriam os aspectos
exigidos dos homens ao buscar a vitória no combate, valores também
conhecidos como "garra" ou força de vontade para vencer (Cecchetto,
2004, p. 142).
Igualmente digno de nota é a importância do grupo e da relação coesa
entre seus membros, na transmissão dessas representações. Os valores,
as normas e a própria percepção do que significa ser um lutador é
assimilada e reiterada, cotidianamente, na prática (treinos), através
da introjeção e aceitação da hierarquia e a partir da transmissão dos
ensinamentos por parte dos lutadores mais experientes em relação aos
mais novos, conforme demonstra a fala de todos os entrevistados que
afirmam o papel da luta na formação da personalidade, do caráter e da
masculinidade.
Mas é a fala de Claudio Coelho
(3) que me toca de forma muito singular.
Isso aqui é a saída do inferno que a vida por aqui pode se tornar, para muitos desses meninos.
Penso que não sem razão me lembrei das palavras de Simone Weil acerca
do desenraizamento. Ser é pertencer e para pertencer é preciso acreditar
que vale a pena criar raízes. Infelizmente, tal só é possível através
da demonstração do interesse, por parte de alguém ou de um grupo, no
estabelecimento e manutenção desses vínculos em relação ao sujeito.
Nesse sentido, alguém que fale a mesma língua e use o mesmo código,
converte-se em um solo fértil para que as raízes possam ser fincadas.
E aí permanece minha indagação: será apenas através da luta que a
disciplina, o grupo, a visibilidade social, a ascensão e o
pertencimento serão possíveis?
NOTAS:
(1) Trabalho apresentado no V Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental, realizado em setembro de 2012. Fortaleza.
(2) Devo a Giovanni grande parte de minhas entrevistas e a inserção mais facilitada no mundo da luta.
(3) O boxe constitui uma das modalidades de luta
presentes nos treinos de MMA. Para uma descrição mais detalhada do
projeto e dos vários depoimentos, ver (Novaes, 2012).
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Revista Polêmica, v. 18
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Novaes, J.V.(2010)
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NOVAES, J.V. (2011) Beleza e feiúra.sociabilidade e usos do corpo em
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Priore (org.)
A história do Corpo no brasil. Ed. Unesp. Pp 477-506
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retirado daqui:
http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/polemica/article/view/4325/3140
pesquisado pela internet