quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Para Não Deixar de Amar-te Nunca

Saberás que não te amo e que te amo
pois que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem a sua metade de frio.

Amo-te para começar a amar-te,
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.

Amo-te e não te amo como se tivesse
nas minhas mãos a chave da felicidade
e um incerto destino infeliz.

O meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.

Pablo Neruda, in "Cem Sonetos de Amor"

sábado, 20 de dezembro de 2014

Como Conversar com Meninas

Não, não é um guia de paquera para garotos tímidos. Este texto da Lisa Bloom nos faz pensar sobre as consequências que nossas atitudes podem ter na educação das crianças, e como podemos mudar parâmetros sociais apenas conversando de modo diferente com uma menininha, segurando o impulso de dizer o quanto ela é linda para surpreendê-la ao ressaltar as outras qualidades que ela tem. Vale dizer que a educação dos meninos também precisa ser repensada, e que autora já escreveu sobre os dois.

UPDATE 04/06/13 ATENÇÃO! >>>> Este texto não é meu, apenas traduzi um texto da Lisa Bloom (original aqui). Ela também já escreveu um artigo sobre como conversar com meninos. A tradução do artigo sobre meninos está aqui.


Como conversar com meninas

 

Eu fui a um jantar na casa de uma amiga na semana passada, e encontrei sua filha de 5 anos pela primeira vez. A pequena Maya tinha os cabelos castanhos e cacheados, olhos escuros, e estava adorável em seu vestidinho rosa e brilhante. Eu queria gritar, “Maya você é tão fofa! Veja só! Dê uma voltinha e desfile esse vestidinho rosa, sua coisinha linda!”
Mas eu não fiz isso. Eu me contive. Como sempre me contenho quando conheço garotinhas, negando meu primeiro impulso, que é dizer o quão fofas/lindas/bonitas/bem vestidas/de unhas feitas/cabelo arrumado elas são/estão.
“O que há de errado nisso? É a conversa padrão de nossa cultura para quebrar o gelo com as meninas, não é? E por que não fazer-lhes um elogio sincero para elevar suas auto-estimas? Porque elas são tão lindas que eu simplesmente quero explodir de tanta fofura quando as encontro, sinceramente.”
Guarde este pensamento por um tempo.
Esta semana a ABC News informou que quase metade das meninas de 3 a 6 anos se preocupam por estarem gordas. No meu livro, Think: Straight Talk for Women to Stay Smart in a Dumbed-Down World, eu revelo que 15 a 18% das meninas com menos de 12 anos usam rímel, delineador e batom regularmente; distúrbios alimentares estão em alta e a auto-estima está em baixa; e 25% das jovens mulheres americanas prefeririam vencer o America’s Next Top Model a ganhar o prêmio Nobel da Paz. Até universitárias inteligentes e bem sucedidas dizem que preferem ser ‘gostosas’ a serem inteligentes. Recentemente uma mãe de Miami morreu durante uma cirurgia estética, deixando dois filhos adolescentes. Isso não pára de acontecer, e isso parte o meu coração.
Ensinar as meninas que a aparência delas é a primeira coisa que se nota ensina a elas que o visual é mais importante do que qualquer outra coisa. Isso as leva a fazer dieta aos 5 anos de idade, usar base aos 11, implantar silicone aos 17 e aplicar botox aos 23. Enquanto a exigência cultural de que as garotas sejam lindas 24 horas por dia se torna regra, as mulheres têm se tornado cada vez mais infelizes. O que está faltando? Um sentido para a vida, uma vida de ideias e livros e de sermos valorizadas por nossos pensamentos e realizações.
Eu me esforço para falar com as meninas assim:
“Maya,” eu disse, me ajoelhando até ficar da sua altura, olhando em seus olhos, “prazer em conhecê-la”.
“O prazer é todo meu,” ela disse, com a voz já bem treinada e educada para falar com adultos como uma boa menina.
“Hey, o que você está lendo?” Perguntei, com um brilho nos olhos. Eu amo livros. Sou louca por eles. Eu deixo isso transparecer.
Seus olhos ficaram maiores, e ela demonstrou uma empolgação genuína, mas contida, sobre o assunto. Ela pausou, no entanto, tímida por estar com um adulto desconhecido.
“Eu AMO livros,” eu disse. “E você?”
A maioria das crianças gosta de livros.
“SIM,” ela disse. “E agora eu consigo ler sozinha!”
“Que incrível!” eu disse. E é incrível, para uma menina de 5 anos.
“Qual é o seu livro preferido?” perguntei.
“Vou lá pegar! Posso ler pra você?”
Purplicious foi a escolha de Maya, um livro novo para mim, e Maya se sentou junto a mim no sofá e leu com orgulho cada palavra em voz alta, sobre a nossa heroína que adora rosa mas é perturbada por um grupo de garotas na escola que só usam preto. Infelizmente, o livro era sobre garotas e o que elas vestiam, e como suas escolhas de roupas definiam suas identidades. Mas depois que Maya virou a última página, eu conduzi a conversa para as questões mais profundas do livro: meninas más e pressão dos colegas, e sobre não seguir a maioria. Eu contei pra ela que minha cor preferida é o verde, porque eu amo a natureza, e ela concordou com isso.
Em nenhum momento nós discutimos sobre as roupas, o cabelo, o corpo ou quem era bonita. É surpreendente o quão difícil é se manter longe desses tópicos com meninas pequenas, mas eu sou teimosa!
Eu falei para ela que eu tinha acabado de escrever um livro, e que eu esperava que ela escrevesse um também, algum dia. Ela ficou bastante empolgada com essa ideia. Nós duas ficamos muito tristes quando Maya teve que ir pra cama, mas eu disse a ela para da próxima vez escolher outro livro para lermos e falarmos sobre ele. Ops! Isso a deixou animada demais para dormir, e ela levantou algumas vezes…
Aí está, um pouquinho de oposição a uma cultura que passa todas as mensagens erradas para as nossas meninas. Um empurrãozinho em direção à valorização do cérebro feminino. Um breve momento sendo um modelo a ser seguido, intencionalmente. Meus poucos minutos com a Maya vão mudar a multibilionária indústria da beleza, os reality shows que diminuem as mulheres, a nossa cultura maníaca por celebridades? Não. Mas eu mudei a perspectiva de Maya por pelo menos aquela noite.
Tente isto da próxima vez que você conhecer uma garotinha. Ela pode ficar surpresa e incerta no começo, porque poucos perguntam sobre sua mente, mas seja paciente e insista. Pergunte-a o que ela está lendo. Do que ela gosta ou não gosta, e por quê? Não existem respostas erradas. Você apenas está gerando uma conversa inteligente que respeita o cérebro dela. Para garotas mais velhas, pergunte sobre eventos atuais: poluição, guerras, cortes no orçamento para educação. O que a incomoda no mundo? Como ela consertaria se tivesse uma varinha mágica? Você pode receber algumas respostas intrigantes. Conte a ela sobre suas ideias e conquistas e seus livros preferidos. 
Mostre para ela como uma mulher pensante fala e age.

copiado desta página:  http://lobjettrouve.net/2012/08/15/como-conversar-com-meninas/
do texto
Como conversar com meninas
publicado em 15 de agosto de 2012 por Juliana Moore

domingo, 2 de novembro de 2014

O Amor - Kahlil Gibran


Kahlil Gibran
O Amor 
E alguém disse:
Fala-nos do Amor:

- Quando o amor vos fizer sinal, segui-o;
ainda que os seus caminhos sejam duros e difíceis.
E quando as suas asas vos envolverem, entregai-vos;
ainda que a espada escondida na sua plumagem
vos possa ferir.

E quando vos falar, acreditai nele;
apesar de a sua voz
poder quebrar os vossos sonhos
como o vento norte ao sacudir os jardins.

Porque assim como o vosso amor
vos engrandece, também deve crucificar-vos
E assim como se eleva à vossa altura
e acaricia os ramos mais frágeis
que tremem ao sol,
também penetrará até às raízes
sacudindo o seu apego à terra.

Como braçadas de trigo vos leva.
Malha-vos até ficardes nus.
Passa-vos pelo crivo
para vos livrar do joio.
Mói-vos até à brancura.
Amassa-vos até ficardes maleáveis.

Então entrega-vos ao seu fogo,
para poderdes ser
o pão sagrado no festim de Deus.

Tudo isto vos fará o amor,
para poderdes conhecer os segredos
do vosso coração,
e por este conhecimento vos tornardes
o coração da Vida.

Mas, se no vosso medo,
buscais apenas a paz do amor,
o prazer do amor,
então mais vale cobrir a nudez
e sair do campo do amor,
a caminho do mundo sem estações,
onde podereis rir,
mas nunca todos os vossos risos,
e chorar,
mas nunca todas as vossas lágrimas.

O amor só dá de si mesmo,
e só recebe de si mesmo.

O amor não possui
nem quer ser possuído.

Porque o amor basta ao amor.

E não penseis
que podeis guiar o curso do amor;
porque o amor, se vos escolher,
marcará ele o vosso curso.

O amor não tem outro desejo
senão consumar-se.

Mas se amarem e tiverem desejos,
deverão se estes:
Fundir-se e ser um regato corrente
a cantar a sua melodia à noite.

Conhecer a dor da excessiva ternura.
Ser ferido pela própria inteligência do amor,
e sangrar de bom grado e alegremente.

Acordar de manhã com o coração cheio
e agradecer outro dia de amor.

Descansar ao meio dia
e meditar no êxtase do amor.

Voltar a casa ao crepúsculo
e adormecer tendo no coração
uma prece pelo bem amado,
e na boca, um canto de louvor


Fonte: http://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=1412#ixzz3HqvLhgdP

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

TUDO PASSA - Chico Xavier



Todas as coisas, na Terra,
passam...
Os dias de dificuldades,
passarão...
Passarão também
os dias de amargura
e solidão...
As dores e as lágrimas
passarão.
As frustrações
que nos fazem chorar...
um dia passarão.
A saudade do ser querido
que está longe, passará.

Dias de tristeza...
Dias de felicidade...
São lições necessárias que,
na Terra, passam,
deixando no espírito imortal
as experiências acumuladas.

Se hoje, para nós,
é um desses dias
repletos de amargura,
paremos um instante.

Elevemos
o pensamento ao Alto,
e busquemos a voz suave
da Mãe amorosa
a nos dizer carinhosamente:
isso também passará...

E guardemos a certeza,
pelas próprias dificuldades
já superadas,
que não há mal
que dure para sempre.

O planeta Terra,
semelhante
a enorme embarcação,
às vezes parece
que vai soçobrar
diante das turbulências
de gigantescas ondas.

Mas isso também passará,
porque Jesus está
no leme dessa Nau,
e segue com o olhar sereno
de quem guarda a certeza
de que a agitação
faz parte do roteiro
evolutivo da humanidade,
e que um dia também passará...

Ele sabe que a Terra
chegará a porto seguro,
porque essa é a sua destinação.

Assim,
façamos a nossa parte
o melhor que pudermos,
sem esmorecimento,
e confiemos em Deus,
aproveitando cada segundo,
cada minuto que, por certo...
também passarão..."

Tudo passa..........exceto DEUS!
Deus é o suficiente!

mensagem ditada pelo Espírito Emmanuel, através da psicografia de Chico Xavier

sábado, 25 de outubro de 2014

ESCREVER NA ROCHA

Dois grandes mercadores árabes, de nomes Amir e Farid, eram muito amigos e sempre que faziam suas viagens para um mercado onde vendiam suas mercadorias, iam juntos, cada qual com sua caravana e seus escravos empregados.

Numa dessas viagens, ao passarem junto a um rio caudaloso, Farid resolveu banhar-se, pois fazia muito calor.
Em dado momento, distraindo-se, foi arrastado pela correnteza.
Amir, vendo que seu grande amigo corria risco de vida, atirou-se às águas e, com inaudito esforço, conseguiu salvá-lo.
Após esse episódio, Farid chamou um de seus escravos e mandou que ele gravasse numa rocha ali existente, uma frase que lembrasse a todos do acontecido.

Ao retornarem, passaram pelo mesmo lugar, onde pararam para rápido repouso.
Enquanto conversavam, tiveram uma pequena discussão e Amir alterando-se esbofeteou Farid.
Este aproximou-se das margens do rio e, com uma varinha, escreveu na areia o fato.
O escravo que fora encarregado de escrever na pedra o agradecimento de Farid, perguntou-lhe:
- Meu senhor, quando fostes salvo, mandaste gravar aquele feito numa pedra e agora escreveis na areia o agravo recebido. Por que assim o fazeis?
Farid respondeu-lhe:
- Os atos de bondade, de amor e abnegação devem ser gravados na rocha para que todos aqueles que tiverem oportunidade de tomar conhecimento deles, procurem imitá-los. Ao contrário, porém, quando recebemos uma ofensa, devemos escrevê-la na areia, próxima as águas para que desapareça, levada pela maré, a fim de que ninguém tome conhecimento dela e, acima de tudo para que qualquer mágoa desapareça prontamente no nosso coração!

desconheço o Autor

terça-feira, 21 de outubro de 2014

sobre José Angêlo Gaiarsa segundo ele mesmo - adorei

"Nasci em Santo André, em 1920, formei-me em Medicina (1946) pela USP, e exerço a profissão de Psicoterapeuta por quarenta anos. Casei quatro vezes e tive quatro filhos homens do primeiro matrimônio e três filhos adotivos do quarto.
Meus interesses dominantes são problemas de família, de amor e de sexo na área social. Na área científica, interesso-me por psicofisiologia da respiração, da postura, do olhar.
Meus espíritos-guias foram principalmente Carl Gustav JUNG e Wilhelm REICH, que estudei, assimilei e ampliei.
Sou extrovertido, entusiasmado, beligerante, radical e fluente de palavras, participei de inúmeras entrevistas em jornais, revistas, programas de rádio e tevê, defendendo invariavelmente o indivíduo contra todas as pressões sociais que analiso em profundidade.
Atualmente [1989] ando fascinado pela pré-história do homem e pelo estudo comparado de comportamentos [antropologia e etologia humana], ambos como fundo da personalidade do homem moderno.
Minha paixão dominante e vitalícia: o corpo humano, sua forma, suas funções, seu significado, sua capacidade expressiva e comunicativa. Vale dizer: especialista em expressão não-verbal."

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

uma prece para fortalecer as nossas energias e apoiar a nossa caminhada


Senhor,
Sejam para o teu coração misericordioso
Todas as nossas alegrias, esperanças e aspirações!
Ensina-nos a executar teus propósitos desconhecidos,
Abre-nos as portas de ouro das oportunidades do serviço
E ajuda-nos a compreender a tua vontade!...
Seja o nosso trabalho a oficina sagrada de bênçãosinfinitas,
Converte-nos as dificuldades em estímulos santos,
Transforma os obstáculos da senda em renovadas lições...
Em teu nome,
Semearemos o bem onde surjam espinhos do mal,
Acenderemos tua luz onde a treva demore,
Verteremos o bálsamo do teu amor onde corra o prantodo sofrimento,
Proclamaremos tua bênção onde haja condenações,
Desfraldaremos tua bandeira de paz junto às guerrasdo ódio!
Senhor,
Dá que possamos servir-teCom a fidelidade com que nos amas,
E perdoa nossas fragilidades e vacilações na execuçãode tua obra.
Fortifica-nos o coração
Para que o passado não nos perturbe e o futuro nãonos inquiete,
A fim de que possamos honrar-te a confiança no diade hoje,
Que nos deste
Para a renovação permanente até à vitória final.
Somos tutelados na Terra,
Confundidos na lembrança
De erros milenares,
Mas queremos, agora,
Com todas as forças d’alma,
Nossa libertação em teu amor para sempre!
Arranca-nos do coração as raízes do mal,
Liberta-nos dos desejos inferiores,
Dissipa as sombras que nos obscurecem a visão de
teu plano divino
E ampara-nos para que sejamos
Servos leais de tua infinita sabedoria!
Dá-nos o equilíbrio de tua lei,
Apaga o incêndio das paixões que, por vezes,
Irrompe, ainda,
No âmago de nossos sentimentos,
Ameaçando-nos a construção da espiritualidade superior
Conserva-nos em tua inspiração redentora,
No ilimitado amor que nos reservaste
E que, integrados no teu trabalho de aperfeiçoamento
incessante,
Possamos atender-te os sublimes desígnios,
Em todos os momentos,
Convertendo-nos em servidores fiéis de tua luz,
para sempre!
Assim seja!

retirada do livro Missionários da Luz, de Chico Xavier pelo Espírito André Luiz
 

domingo, 28 de setembro de 2014

Em Matéria Afetiva

Sempre é forçoso muito cuidado no trato com os problemas afetivos dos outros, porque muitas vezes os outros, nem de leve, pensam naquilo que possamos pensar.

Os Espíritos adultos sabem que, por enquanto, na Terra, ninguém pode, em sã consciência, traçar a fronteira entre normalidade e anormalidade, nas questões afetivas de sentido profundo.

Os pregadores de moral rigorista, em assuntos de amor, raramente não caem nas situações que condenam.

Toda pessoa que lesa outra, nos compromissos do coração, está fatalmente lesando a si própria.

Respeite as ligações e as separações, entre as pessoas de seu mundo particular, sem estranheza ou censura, de vez que você não lhes conhece as razões e processos de origem.

As suas necessidades de alma, na essência, são muito diversas das necessidades alheias.

No que tange a sofrimentos do amor, só Deus sabe onde estão a queda ou a vitória.

Jamais brinque com os sentimentos do próximo.

Não assuma deveres afetivos que você não possa ou não queira sustentar.

Amor, em sua existência, será aquilo que você fizer dele.

Você receberá, de retorno, tudo o que der aos outros, segundo a lei que nos rege os destinos.

Ante os erros do amor, se você nunca errou por emoção, imaginação, intenção ou ação, atire a primeira pedra, conforme recomenda Jesus.


Xavier, Francisco Cândido. Da obra: Sinal Verde. Ditado pelo Espírito André Luiz. 49 edição. Uberaba-MG: CEC. 2001. 

acho que já havio postado essa msg antes, mas ela é tão lúcida e precisa,  que julgo que preciso constantemente relembrar disso, e André Luiz é um "fofo", rsrs... considero um dos grandes professores da minha vida... nossas conversas silenciosas são bálsamos para minha alma.


segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Amores Eternos

Eu acredito em amores eternos, daqueles que acompanham a gente pela vida inteira, como se tempo e amor se fundissem num só elemento, tornando-se imutáveis, indestrutíveis.


Eu acredito em amores eternos, daqueles que vão com você para qualquer lugar, não importando o quão distante você esteja, por que a pessoa amada reside em seu próprio coração.


Acredito em amores eternos e sublimes, capazes de reconsiderar tudo, com suavidade, ternura e perdão.  Acredito, sim, em amores para toda a vida, e além da vida, pois seria um tipo de amor unido à própria alma, e sem alma a vida não tem razão...


Amores eternos existem sim, e superam qualquer coisa, mesmo quando ninguém mais acredita neles, eles continuam sempre à espreita, esperando apenas um olhar, um retorno, uma reconciliação.


Augusto Branco

domingo, 7 de setembro de 2014

pra quem não conhece Augusto Branco

Augusto Branco nasceu no coração da Amazônia, fruto da união de dois ribeirinhos que, um dia, tentaram a sorte na cidade: Dona Rosa e Senhor Raymundo, escreveu as suas primeiras poesias aos 7 ou 8 anos de idade, pouco antes de começar a ajudar na loja de ferragens do pai, frequentou cursos de Administração e Pedagogia, que não completou devido às exigências da sua vida profissional, repleta de mudanças e obstáculos inesperados.

Contudo, ao longo deste percurso complicado, ao qual se juntou uma tragédia familiar,  nunca despiu a pele de escritor, encontrando tempo para criar, quase todos os dias, novos poemas, aforismos e textos motivadores.  Apresenta-se sempre como um homem entre tantos outros, “apenas um cara no caminho”, nas suas palavras. Uma expressão coerente com a sua produção literária: textos que mergulham no coração das pessoas, ao evidenciarem os mais finos paradoxos que acompanham o amor, a felicidade e o bem-estar, sentimentos comuns a todos nós.

"Vida" ter deu a volta ao Globo através do mundo online (sítios, blogues, YouTube, e-mail, redes sociais), como sendo da autoria de Charles Chaplin, mas é desse inspirado escritor, que se faça jus aos créditos, então...

Vida

Já perdoei erros quase imperdoáveis,
tentei substituir pessoas insubstituíveis
e esquecer pessoas inesquecíveis.
Já fiz coisas por impulso,
já me decepcionei com pessoas
que eu nunca pensei que iriam me decepcionar,
mas também já decepcionei alguém.
Já abracei pra proteger,
já dei risada quando não podia,
fiz amigos eternos,
e amigos que eu nunca mais vi.
Amei e fui amado,
mas também já fui rejeitado,
fui amado e não amei.
Já gritei e pulei de tanta felicidade,
já vivi de amor e fiz juras eternas,
e quebrei a cara muitas vezes!
Já chorei ouvindo música e vendo fotos,
já liguei só para escutar uma voz,
me apaixonei por um sorriso,
já pensei que fosse morrer de tanta saudade
e tive medo de perder alguém especial (e acabei perdendo).
Mas vivi!
E ainda vivo!
Não passo pela vida.
E você também não deveria passar!
Viva!!
Bom mesmo é ir à luta com determinação,
abraçar a vida com paixão,
perder com classe
e vencer com ousadia,
porque o mundo pertence a quem se atreve
e a vida é muito para ser insignificante.

(como que alguém pode pensar que essa linguagem coloquial fosse de um cara do início do século passado 'quinem' Chaplin me escapa à compreensão...)

domingo, 17 de agosto de 2014

Não sobrecarregar os filhos na escola



Costumamos dar uma importância totalmente infudada ao rendimento escolar de nossos filhos. E isso se deve apenas ao respeito pela pequena virtude do êxito. Deveria nos bastar que eles não ficassem muito atrás dos outros, que não fossem reprovados nos exames; mas não nos contentamos com isso. Queremos deles o êxito, queremos que satisfaçam ao nosso orgulho.

Se vão mal na escola, ou simplesmente não tão bem como pretendemos, erguemos imediatamente entre eles e nós a barreira do descontentamento constante; adotamos com eles o tom de voz irritado e queixoso de quem lamenta uma ofensa. Então nossos filhos, enfastiados, se distanciam de nós.

Ou talvez os secundemos em seus protestos contra os professores que não os compreenderam, declaramos, em uníssono com eles, que são vítimas de uma injustiça. E todos os dias corrigimos os seus deveres, sentamo-nos a seu lado quando fazem os deveres, estudamos as lições com eles.

Na verdade a escola deveria ser desde o início, para um menino, a primeira batalha que ele tem de enfrentar sozinho, sem nós; desde o início deveria estar claro que esse é seu campo de batalha próprio, onde só poderíamos dar uma ajuda ocasional e irrisória.

E, se lá ele padecer injustiças e for incompreendido, será necessário deixá-lo entender que isso não tem nada de estranho, porque na vida devemos esperar ser constantemente incompreendidos e mal-entendidos: a única coisa que importa é nós mesmos não cometermos injustiças.

Compartilhamos os êxitos e fracassos de nossos filhos porque os amamos muito, mas do mesmo modo e em igual medida que eles compartilharão, à medida que forem crescendo, nossos êxitos e fracassos, nossas satisfações ou preocupações. É errado que eles tenham o dever para conosco de serem aplicados na escola e de dar nela o melhor de seu talento. Seu dever para conosco, já que lhes proporcionamos estudos, é apenas seguir adiante.

Se não querem dedicar o melhor de seu talento à escola, mas aplicá-lo em outra coisa que os apaixone, seja sua coleção de coleópteros ou o estudo da língua turca, isso é assunto deles e não temos nenhum direito de repreendê-los nem de nos mostrar ofendidos em nosso orgulho ou frustrados em nossa satisfação. Se no momento não parecem ter o desejo de dedicar o melhor de seu talento a coisa alguma e passam o dia na carteira mordendo o lápis, nem mesmo assim temos o direito de censurá-los muito: talvez o que nos esteja parecendo ócio sejam na realidade fantasias e reflexões que amanhã darão frutos. Se parecem desperdiçar o melhor de sua energia e de seu talento, afundados numa poltrona lendo romances estúpidos ou no campo jogando futebol freneticamente, também não podemos saber se de fato se trata de um desperdício de energia e de talento ou se também isso, amanhã, de algum modo que ignoramos, dará seus frutos. Porque as possibilidades do espírito são infinitas. Mas nós, pais, não nos podemos deixar tomar pelo pânico do fracasso.
Nossos enfados devem ser como rajadas de vento ou temporal: violentos mas logo esquecidos; nada que possa escurecer a natureza de nossas relações com os filhos, turvando sua limpidez e sua paz. Estamos aqui para consolar nossos filhos quando um fracasso os entristece; estamos aqui para consolá-los quando um fracasso os mortifica. Também estamos aqui para baixar-lhes a fumaça quando um êxito os enche de soberba. Estamos aqui para reduzir a escola a seus limites humildes e estreitos; nada que possa hipotecar o futuro; uma simples oferta de ferramentas, entre as quais é possível escolher uma para desfrutar amanhã.

As pequenas virtudes
Autor: NATALIA GINZBURG

terça-feira, 29 de julho de 2014

Oração Nossa

 
Senhor,

ensina-nos a orar sem esquecer o trabalho,

a dar sem olhar a quem,

a servir sem perguntar até quando,

a sofrer sem magoar seja a quem for,

a progredir sem perder a simplicidade,

a semear o bem sem pensar nos resultados,

a desculpar sem condições ,

a marchar para a frente sem contar os obstáculos,

a ver sem malícia,

a escutar sem corromper os assuntos,

a falar sem ferir,

a compreender o próximo sem exigir entendimento,

a respeitar os semelhantes sem reclamar consideração,

a dar o melhor de nós, além da execução do próprio dever

sem cobrar taxas de reconhecimento.


Senhor,

fortalece em nós a paciência para com as dificuldades dos outros,

assim como precisamos da paciência dos outros

para com as nossas próprias dificuldades.

Ajuda-nos para que a ninguém façamos aquilo

que não desejamos para nós.

Auxilia-nos sobretudo a reconhecer que a nossa

felicidade mais alta será invariavelmente

aquela de cumprir os desígnios,

onde e

como queiras,

hoje,

agora

e sempre.



Emmanuel
mensagem psicografada por Chico Xavier

domingo, 18 de maio de 2014

O Discurso de Gabourey Sidibe - sobre gordofobia e autoestima


"" O nome pode parecer estranho pra você, mas com certeza você a conhece. Gabourey Sidibe é a protagonista de Preciosa (Precious), um dos filmes mais tristes do mundo. Ela também participou lindamente de The Big C, série maravilhosa com a Laura Linney.
Mas, convenhamos, seja honesta, você provavelmente lembra dela como “aquela negra gorda, imensa, baleia”. E foi sobre isso, sobre os estereótipos, sobre a maldade humana, que Gabourey falou em seu discurso na festa da Ms. Foundation, onde também se comemorou o aniversário de 80 anos de Gloria Steinem, feminista histórica.
A minha querida amiga e aniversariante do mês Mariana Laudeauser (@mlaudeauser) traduziu o discurso. Aí vai:
"



"Estou muito feliz de estar aqui. Muito, muito feliz. Bom, vamos lá. Oi. Uma das primeiras coisas que as pessoas geralmente me perguntam é: “Gabourey, como você é tão confiante?”. Odeio isso. Sempre me perguntei se é a primeira coisa que perguntam pra Rihanna quando encontram com ela. “RiRi! Como você é tão confiante?” Não. Não, não. Mas comigo? Todas as vezes me perguntam com aquela mesma incredulidade. “Você parece tão confiante! Como é isso?”

Quando eu tinha 10 anos, na quinta série, minha professora, Srta. Lowe, anunciou que minha turma teria uma festinha de fim de ano, pouco antes do feriado de Natal. Ela pediu que todos trouxessem lanches ou bebidas para a festa da turma. Ela também disse que poderíamos cozinhar algo, se quiséssemos. Eu fiquei tão feliz.

Imediatamente decidi que faria biscoitos de gengibre e todos iriam adorar. Contei para minha mãe e pedi dinheiro para comprar os ingredientes. Ela achava que eu deveria comprar biscoitos prontos na loja, mas eu disse a ela “Esses biscoitos não tem amor suficiente neles!”. Eu tinha que fazer esses biscoitos.

Então comprei a massa e forminhas em forma de árvores de Natal e sinos, e fiz uma fornada para treinar, e deu muito errado. Ainda bem que era pra praticar. Estavam horríveis. E na noite antes da festa, fiz outra fornada de biscoitos. E estavam horríveis também, mas tinham aparência bem melhor. Guardei cuidadosamente em saquinhos plásticos para levar para a escola no dia seguinte.

Quando cheguei na escola naquela manhã, mal podia esperar pela festa. Estava tão orgulhosa daqueles biscoitos e todo o esforço que fiz para prepará-los; comecei a pensar que talvez não fosse ser a primeira mulher negra presidente – talvez também fosse uma chef celebridade! Quer dizer, por que me limitar?

A festa estava marcada para acontecer uma hora antes das aulas terminarem e eu esperei ansiosamente durante o dia todo. Finalmente, era hora da festa. A professora perguntou o que todos trouxeram e eu orgulhosamente anunciei que tinha feito os biscoitos para a turma. Acho que senti mais orgulho ainda sabendo que todos os outros só compraram as coisas. Eu fui a única que fez algo, porque obviamente, eu era um pouco mais esperta do que os outros.

Então, quando a festa começou, andei pela sala, oferecendo biscoitos para todo mundo. Ninguém aceitou. Ninguém. Ninguém exceto Nicholas, que foi o primeiro pra quem eu ofereci. Mas depois que outros colegas endireitaram ele, ele veio atrás de mim e me devolveu o biscoito. Andei por toda a sala oferecendo os biscoitos para os colegas até que voltei para a minha carteira com a mesma quantidade de biscoitos. Sentei sozinha, comendo aqueles biscoitos nojentos que levei horas pra fazer, sem ajuda de ninguém. Coloquei pedacinhos de chocolate neles, por isso estavam nojentos. Não estava surpresa.

Só esqueci por um momento que a turma toda me odiava. Eu tive zero amigos da quarta até a sexta série. Pra quem diabos eu estava fazendo aqueles biscoitos? Eu fiquei tão empolgada para cozinhar que esqueci que todos me odiavam. Por que não gostavam de mim? Eu era gorda, sim. Eu tinha pele escura e cabelo esquisito, sim. Mas a verdade é que, isso não é uma história sobre bullying, ou cor, ou peso. Eles me odiavam porque… Eu era uma babaca.

Sim. Eu era mandona, uma babaca mandona. Veja, lembra quando eu falei que pensava que era mais esperta que todo mundo? Bom, eu pensava mesmo! E falava para eles, todo santo dia! Aquelas crianças não podiam pensar em falar algo sem que eu cortasse lembrando que era mais esperta, engraçada e inteligente do que eles. Sempre fui sarcástica – chamava de defeito de nascença. E vamos ser sinceros, crianças não entendem sarcasmo. Elas não gostam. Elas nunca sabiam do que eu estava falando. E quando eles diziam “Espera… hã?”, eu respondia “Meu Deus, Alicia, vai ler um livro!”. Eu sei.

Meus colegas sempre me perguntavam se eu era adotada por gente branca. Eu dizia. “Não, meus pais fizeram faculdade”. Eu sei que era rude, mas eu ainda tenho muito orgulho disso. Para ser sincera, na minha vizinhança, nem todos os pais tiveram oportunidade de fazer faculdade. A maioria dos pais dos meus colegas os tiveram quando eram adolescentes. Meus pais me tiveram aos 30 anos. Meu pai nasceu no Senegal. O pai dele foi prefeito da capital, Dakar, e meu pai frequentemente levava eu e meu irmão com ele para visitar a África, enquanto a maioria dos meus colegas nunca foi além do Lower East Side.

Minha mãe era professora de ensino médio, por isso estudava lá, mas minha mãe também tinha uma voz linda, então quando eu tinha nove anos ela pediu demissão e foi cantar no metrô. Ela ganhou mais dinheiro cantando por gorjetas do que como professora! E rapidamente ela se tornava a versão underground de Whitney Houston. Ela era a pessoa mais forte, inteligente e talentosa que eu já tinha conhecido. Até hoje, eu quero ser igual a ela mais do que qualquer outra pessoa.

A questão é, eu era esnobe. Eu achava que era melhor que os outros na minha turma e deixava isso bem claro. Por isso eles não gostavam de mim. Eu acho que o motivo pra eu pensar tão bem de mim mesma o tempo todo era por ninguém mais achar. Eu percebi que era inteligente porque minha mãe gritava com meu irmão mais velho, “sua irmã vai te passar na escola. Você vai ficar para trás e ela se vai formar primeiro que você”. Mas ela nunca me disse “você é inteligente”. O que ela me dizia era, “você é muito gorda”.

Eu recebia a mensagem que não era bonita e, provavelmente, não era normal, mas eu era inteligente! Por que não diziam logo isso? “Você é inteligente”. Não é tão difícil assim. Meu pai gritava com meu irmão “Gabourey faz o dever de casa sozinha! Por que você não consegue?”, mas ele nunca me disse “Parabéns”. O que ele dizia era: “Você precisa perder peso para eu sentir orgulho de você”. Eu sei.

Então faziam piada de mim na escola, e em casa também, meu irmão mais velho me odiava, meu pai não me entendia, e minha mãe, que também foi gorda na minha idade, me entendia perfeitamente… mas ela me traía porque ela tinha muito medo do que ela sabia que estava por vir. Então eu nunca me senti segura quando estava em casa. E minha resposta a isso era sempre comer mais, porque nada diz “você me magoou. Foda-se” como comer um biscoito delicioso. Biscoitos nunca me magoaram.

“Gabourey, como você é tão confiante?” Não é fácil. É difícil se arrumar para premiações e tapetes vermelhos quando eu sei que vão fazer piada comigo por causa do meu peso. Há sempre uma grande chance se eu usar roxo, de ser comparada ao Barney. Se usar branco, um peru congelado. E se usar vermelho, pareço uma jarra de suco de morango. O Twitter vai explodir com comentários maldosos sobre como o último terremoto foi causado por mim correndo atrás de um carrinho de cachorro quente ou algo assim. E “Dieta ou Morte?” (ela mostra o dedo do meio). É com isso que eu lido toda vez que coloco um vestido. É com isso que eu lido toda vez que alguém tira uma foto minha. Às vezes, quando sou entrevistada por uma repórter de moda, eu consigo ver nos olhos dela “Como ela consegue ser assim? Por que ela é tão confiante? Como ela lida com aquele corpo? Ai meu deus, vou pegar gordura!”.

O que eu diria é, minha mãe mudou comigo e meu irmão para a casa da minha tia. O nome dela é Dorothy Pitman Hughes, ela é feminista, ativista, e amiga de longa data da Gloria Steinem. Todo dia, eu tinha que levantar e ir para a escola onde todos faziam piada de mim, e tinha que ir pra casa onde todos faziam piada de mim.

Todos os dias era difícil continuar, não importa em que direção eu fosse. E na saída de casa, eu achava força. De manhã, saindo para o mundo, eu passava por um retrato da minha tia e Gloria juntas. Estavam lado a lado, uma com lindo cabelo comprido e a outra com o cabelo afro mais lindo e redondo que já tinha visto, ambas com os punhos para o alto. Poderosas. Confiantes.

E todos os dias eu saía de casa e levantava o punho para a foto também. E marchava para a batalha (ela começa a chorar). Na época, eu não sabia que estava sendo inspirada. Na volta para casa, subindo as escadas, eu levantava o punho de novo e continuava a marchar para mais batalhas. (ela tira um lenço do decote e limpa os olhos). É para isso que peitos servem! Não sabia que estava sendo inspirada, mas estava. Se elas se sentiam daquele jeito, talvez eu pudesse também! Eu só queria ser legal daquele jeito. Isso me deu forças.

Então, tudo bem, estamos de volta na quinta série, e eu tinha acabado de ser rejeitada por 28 crianças de uma vez só. E estava sentada sozinha na minha carteira, com um saquinho vazio, migalhas no meu colo, e estava nessa festa ótima que tinha esperado a semana inteira. Esperei a semana toda por uma festa que nem tinha sido convidada. E por algum motivo eu levantei, sentei na carteira e festejei até não poder mais. Eu ria alto quando algo engraçado acontecia. E quando a srta. Lowe colocava música, eu era a primeira a levantar e dançar. Eu dancei, comi salgadinhos, bebi refrigerante e me diverti, embora ninguém me quisesse lá.

E sabe por quê? Eu te disse – eu era uma babaca! Eu queria aquela festa! E o que eu quero ganha do que 28 pessoas querem que eu faça, especialmente quando eles querem que vá embora. Eu me diverti muito. De verdade. E se de alguma forma estraguei a festa dos meus colegas, isso é problema deles.

“Como você é tão confiante?” “Eu sou uma babaca!” Certo? É minha diversão, minha vida, apesar do que pensem de mim. Eu vivo minha vida porque eu me atrevo. Eu me atrevo a aparecer quando todos os outros podem esconder a cara e os corpos com vergonha. Eu apareço porque sou babaca e quero me divertir. E minha mãe e meu pai me amam. Eles querem a melhor vida para mim, mas não sabiam com verbalizar. E eu entendo, de verdade. Eles foram melhores pais pra mim do que eles mesmos tiveram.

Sou grata a eles e a minha turma da quinta série, pois se eles não tivessem me feito chorar, eu não estaria chorando agora. (enxuga lágrimas) Se não tivessem me dito que eu era lixo, eu não aprenderia a mostrar para as pessoas que eu sou talentosa. E se todos tivessem sempre rido das minhas piadas, eu não teria aprendido a ser tão engraçada. Se não tivessem me dito que eu era feia, eu nunca teria procurado minha beleza. E se não tivessem tentado me quebrar, eu não saberia que sou inquebrável. Então quando me pergunta como eu sou tão confiante, eu sei o que realmente está me perguntando: como alguém como eu poderia ser confiante? Vai perguntar pra Rihanna, babaca!""

 
 
originalmente publicado em 7 de maio de 2014
copiado do site: http://www.cemhomens.com/2014/05/o-maravilhoso-discurso-de-gabourey-sidibe-sobre-gordofobia-e-autoestima/

quinta-feira, 24 de abril de 2014

outro texto maravilhoso da Joana de Vilhena Novaes - sobre tiranias e violências cotidianas que não sentimos/percebemos

SOBRE A TIRANIA DA BELEZA (1)

Como é se sentir invisível e desapercebido na sociedade do espetáculo? Que lugar tem a visibilidade nos dias atuais? E por que isto se constitui num problema para o sujeito contemporâneo?

O presente artigo visa abordar estas questões partindo da premissa que a gordura leva a uma exclusão socialmente validada, fazendo com que aqueles que a experienciam recorram a inúmeras práticas, saudáveis ou não, para fugir do preconceito, da intolerância e em última análise da invisibilidade social.

As recentes, sucessivas e dramáticas mortes de jovens com transtornos alimentares demandam de todos nós uma reflexão mais profunda acerca do que significa a ditadura estética a qual uma parcela significativa de jovens mulheres parece estar submetida. Vale lembrar que, a prevenção destes quadros clínicos é dificultada, sobretudo nos extratos menos favorecidos da população, na medida em que não são entendidos como uma doença, mas como um estilo de vida, socialmente reforçado, como característico das pessoas de sucesso - traduzido muitas vezes no sonho de virar modelo e com isso conseguir: ascensão social, fama, sucesso, visibilidade e dinheiro.

Antes de qualquer análise mais acurada é preciso que fique claro que, óbvia e felizmente, nem todos estamos passivos e submetidos a esta ditadura, uma vez que, como sujeitos de desejo, a singularidade de cada um deve estar sempre presente ao analisarmos um fenômeno da cultura. Generalizações são sempre perigosas e a presente reflexão (até pela profissão da autora) não deixa de lado as saudáveis resistências e a não passividade de todos aos ditames impostos pela cultura do body fitness ou do body modification. Elegemos, também, por uma questão metodológica, uma análise pela via da cultura, enfatizando, contudo, que mecanismos psíquicos, altamente complexos e singulares estão em jogo -, apenas, não os abordaremos neste trabalho.

Não há como deixar de lado o aumento exponencial de casos de anorexia e bulimia (presentes desde a antiguidade) e tentar entender, também por este viés, como as representações da beleza foram mudando ao longo do tempo e seus efeitos no agenciamento da subjetividade.

De desígnio divino ou de limitações anatômicas, a beleza passou a ser um 'ato de vontade', 'de esforço' e um 'denotativo do caráter'. Como aponta Baudrillard, a sociedade de consumo traz a mensagem de que 'só é feio quem quer', "moralizando o corpo feminino" nas palavras do próprio autor. Processo semelhante ocorre com a medicina como veremos mais adiante. Se o corpo até a sociedade industrial era o corpo ferramenta, observamos agora que o mesmo passou a ser o principal objeto de consumo. Das academias de ginástica, dos anabolizantes, esteroides e anfetaminas que são consumidos como jujubas, das inúmeras e infindáveis técnicas de correção corporal, o corpo 'malhado' entrou em cena. Beleza é artigo de primeira necessidade. Mas por ela você pagará um alto preço!

E quais os padrões de beleza da contemporaneidade? Seco, sarado e, definitivamente, magro! Nas palavras de Carla Reston (modelo de 21 anos que faleceu em dezembro de 2006 de anorexia), "vovó eu prefiro morrer a ser gorda". Mas esta fala não é única: "eu sei que vou morrer, mas até lá eu vivo magra", "quando me olho no espelho, não saio de casa", são exemplos de discursos ouvidos ao longo de pesquisas por mim desenvolvidas, bem como em minha prática clínica (2).

Não à toa o termo empregado é 'malhar' - malha-se como se malha o ferro, marca-se o corpo numa busca que, muitas vezes, escapa dos limites do humano, ignora-se o biotipo brasileiro em busca de uma androginia que praticamente anula as características femininas. Também não é acidental que a gíria usada seja 'sarado' -, o que, em realidade quer dizer curado. Mas 'curado' de que? Curado de si mesmo pensamos ser a mensagem subjacente ou ainda, curado da grande fobia social - ser gordo numa cultura lipofóbica!

A medicina moderna, espelhando o imaginário social individualista, culpabiliza o doente pela grande maioria de suas doenças: se seu colesterol é alto, quem manda comer gorduras? Se você é diabético, a culpa é sua por não largar os doces. Está com hipertensão? Ora, mude seu ritmo de vida e leve uma vida menos estressante -, como se isto fosse possível!

Certamente se você for dotado de uma bela voz, pertencer ao mundo artístico e for abençoado com um talento especial talvez escape da discriminação. Contudo, de forma alguma isto invalida o argumento de que somos profundamente cruéis com aqueles que fogem dos padrões estéticos definidos como ideais.

Qualquer menina gordinha vai poder relatar as incríveis maldades que sofreu na escola,(o bullying está aí para nos provar a veracidade da afirmação), os apelidos horríveis que lhe foram dados e, frequentemente, como se sentiram excluídas. Mais grave ainda, somos absolutamente tolerantes com esta forma de discriminação. Como aponta Maisonauve (1981) em seu livro, a gordura é a forma mais socialmente validade de preconceito o que nos permitir criticar as pessoas gordas atribuindo-lhes a culpa por sua condição - , tema amplamente desenvolvido em meu livro.

Não se trata aqui de culpar esta ou aquela agência de modelos - ideal de tantas meninas, mas de refletir como o corpo tornou-se um objeto persecutório para grande parte das mulheres. Do sonho de Cinderela surge com freqüência a perseguição da Moura-Torta.(Novaes 2001)

Em um interessante trabalho intitulado O Belo e a Morte, Medeiros (2005) vai destacar o lugar do corpo na vida psíquica das mulheres, como algo, nada trivial. Segundo o autor:

"este é o palco e o cenário que descortina um drama tão antigo e arrebatador quanto as epopéias. Não por acaso foi a beleza de uma mulher, a causa da Ilíada, do destino dos Argonautas e do triunfo de Ulisses em sua Odisséia.
Mas se o corpo é o palco deste drama onde o sujeito feminino interpreta sua inquietação diante das vicissitudes da beleza, quem estaria na platéia? Para quem ele representaria sua dor? De quem ele teria prazer em ouvir aplausos? "(pg 167)

Se há, felizmente, as que escapam, não podemos negar que temos uma longa tradição de negar nossos preconceitos - construímos em nosso imaginário a idéia de que não somos violentos, não somos racistas e somos extremamente cordiais. Isto nos levou a esta profunda situação de desigualdade em que nos encontramos. Ao invés de enfrentarmos o que de preconceituoso existe em nós, afirmamos nossa individualidade dizendo tratar-se de casos isolados e que, em realidade, não existe o preconceito.

Ora, sabemos que existem concursos que já estão solicitando o IMC (índice de massa corporal) de seus candidatos e que inúmeras empresas não contratam pessoas gordas - certamente a alegação é outra, mas o raciocínio segue pela seguinte linha - como a gordura é apenas uma questão de 'força de vontade', deixando-se de lado todos os outros aspectos envolvidos - da genética ao psíquico -, atribui-se ao sujeito a impossibilidade de agenciar seu próprio corpo. Ora, se você não é capaz de gerir sua própria vida com competência, como o fará em seu trabalho? E se o leitor pensa que estamos tratando apenas dos casos de obesidade engana-se. Após 10 anos de pesquisa, tendo entrevistado em torno de 100 mulheres (tema de minha tese de mestrado e doutorado pela PUC-Rio), agora transformada em livro (Novaes 2006) e trabalhando em um serviço que trata, exatamente, de pessoas com distúrbios relativos à imagem corporal, não posso deixar de reafirmar a intolerância (real ou imaginária) que grande parte destas mulheres relata.

Não ter visibilidade social ou ser visto de forma negativa/pejorativa no imaginário social são os dois lados da mesma moeda, qual seja: retirar do sujeito uma das condições fundamentais para que o mesmo tenha garantida a sua cidadania, bem como sua saúde psíquica. Pois bem, é notória e consensual no campo das ciências humanas e sociais a afirmação sobre os riscos que corre o ser humano caso seja privado do contato e da interação com seus pares ou tenha a sua mobilidade nos espaços públicos e de sociabilidade limitada - todas experiências que conferem certa dose de reconhecimento da alteridade em relação ao sujeito.(Novaes e Vilhena,2003).

A situação fica ainda mais dramática numa cultura imagética como a nossa, onde, nos grandes centros urbanos, a visibilidade, reconhecidamente, assumiu um lugar de prestígio na obtenção do reconhecimento. Chegando ao ponto de podermos afirmar que este reconhecimento legitima/reitera para o sujeito a confirmação de sua existência, tirando-o, dessa forma, do anonimato da metrópole. A ausência do sentimento de pertencimento e a angústia da invisibilidade podem levar a uma experiência de aniquilamento da existência fazendo com que o sujeito se sinta excluído do todo social, como um pária que não participa das regras do jogo, cujo final, indubitavelmente, resulta numa experiência muito dolorosa para o sujeito. Existir é, antes de mais nada, apresentar a imagem para o Outro.

Mas retomemos os inúmeros distúrbios na imagem corporal - o crescente aumento da 'vigorexia' nos homens (situações onde jamais atingem o corpo ideal, percebendo-se sempre franzinos) apontam para a prevalência de uma estética 'apolínea' que em muito nos faz lembrar o filme de Leni Riffenstal Arquitetura da Destruição. Temos aqui, os ideais estéticos nazistas que apregoavam a perfeição dos deuses e a eliminação de tudo aquilo que era considerado 'imperfeito'. Sabemos aonde isto nos levou.

Quem define o 'imperfeito' - quem determina a estética? O mercado? O mercado não é uma entidade em si mesma - ele é construído e apoiado em todos nós. Estamos, pois, no terreno da ética.

Termo bastante complexo, no momento, vou tomá-lo pela via da tolerância. Tolerância não no sentido de suportar, mas de acolher o diferente, a diversidade e o respeito ao outro.

Nada trará de volta as jovens (e, infelizmente, as que mais virão!) nem eliminará o horrível sofrimento de suas famílias - por isto mesmo temos uma dívida com elas. Denunciar o preconceito e as inúmeras pressões a que tantas mulheres e jovens são submetidos; parar de banalizar Ana e Mia (anorexia e bulimia nas páginas do Orkut). Longe de amigas, Ana e Mia são presenças mortíferas na vida de tantas jovens; questionar a sociedade em que vivemos onde o consumo desenfreado leva-nos, frequentemente, a abdicar de valores que sempre sustentaram nossa integridade; gritar cada vez mais alto que cada um de nós é dono de seu corpo e que este foi feito para nos servir e não para nos aprisionar. Enfim, reconhecer na diferença do outro a sua riqueza e singularidade, uma vez que é esta diferença que enriquece nosso convívio em sociedade.



NOTAS:

(1) Texto apresentado no Debate sobre a Tirania da Beleza na Casa do Saber em Dezembro de 2006.

(2) Para a elaboração de minha dissertação de mestrado e tese de doutorado pesquisei cerca de 100 mulheres buscando investigar qual a importância dada à estética corporal e quais as técnica utilizadas em busca de um corpo considerado "adequado" aos parâmetros atuais de beleza. (Novaes 2000, 2004)


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BAUDRILLARD, J. A SOCIEDADE DE CONSUMO, Edições 70, SP, [1970] 1981.

DEBORD, G. A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO. Rio de Janeiro: Contraponto,1997

MAISONNEUVE, J. MODÉLES DU CORPS ET PSYCOLOGIE ESTHÉTIQUE. Paris. Puf. 1981

MEDEIROS, S. O BELO E A MORTE.Tese de doutorado, Dept de Psicologia.Rio de Janeiro, PUC-Rio

NOVAES, J.V. PERDIDAS NO ESPELHO?SOBRE O CULTO AO CORPO NA SOCIEDADE DE CONSUMO. Dissertação de Mestrado. Dept de Psicologia. PUC-Rio. (2000)

NOVAES, J.V. Mulher e beleza: em busca do corpo perfeito. Práticas corporais e regulação social. In: TEMPO PSICANALÍTICO, Rio de Janeiro, SPID. 2001. n.33. pp:37-54.

NOVAES, J.V. (2003) Da cena do corpo ao corpo em cena.Estética feminina e cirurgia plástica. In CASTILHO, Katia; GALVÃO, Diana. (Org.). A MODA DO CORPO O CORPO DA MODA. São Paulo.

NOVAES, J.V. SOBRE O INTOLERÁVEL PESO DA FEIÚRA. CORPO, SOCIABILIDADE E REGULAÇÃO SOCIAL. Tese de Doutorado. Dept de Psicologia. PUC-Rio. (2004).

NOVAES, J.V. O INTOLERÁVEL PESO DA FEIÚRA. SOBRE AS MULHERES E SEUS CORPOS. Rio de Janeiro, Ed PUC/Garamond

NOVAES, J.V. & VILHENA, J.(2003) Las enfermedades de la belleza: acerca de lo intolerable de la fealdad. PSICOANÁLISIS Y EL HOSPITAL. Buenos Aires. Ed Psichos. v. 12, n. 24, pp. 38-43.  

retirado daqui
http://www.polemica.uerj.br/pol18/oficinas/lipis_4.htm

segunda-feira, 21 de abril de 2014

SOBRE A DOMESTICAÇÃO DA VIOLÊNCIA E A MANIPULAÇÃO DO ASSIM CHAMADO PADRÃO DE BELEZA, ou O USO DOS CORPOS COMO FERRAMENTA PARA MOLDAR INDIVÍDUOS NÃO PENSANTES - I

quase dois meses sem postar, meio desanimada, vendo mais filmes que lendo, se bem que não deixo de ler nunca, meu vício e minha paixão... 
aí fico gripada no meio do feriado de Páscoa, e tchan, deixo de viajar na boa pra ler trocentas mil coisas acumuladas, tantas que o tempo é pouco pro muito e tanto que quero, e muito mais ainda que vai ficar na pilha dos "pra ler depois"... 
piora muito pq acabei de comprar mais 5 livros no estante virtual... qd me pedem livros emprestados, hj em dia, praticamente não tenho mais quase nada pra que não seja coisa que estudo, percebo que quase não leio mais romance, ficção, ainda um pouco de poesia, que é coisa nova pra mim, - fui mais afeita textos cursivos, densos, pra ser ler poesia há que ser outro tempo, que pra mim é novidade -, é tudo livro de Psicologia, Antropologia, Filosofia, Sociologia... - e não é todo mundo que gosta de leitura assim, tão específica, e rio pra mim mesma - que ponto chega o "#cerumano", assim caminha a humanidade, tempo de ócio criativo, sem silêncio a gente não pensa, não cria, não entende, não processa, não elabora... 
gosto das minhas solidões e dos meus silêncios...
eles não são vazios, muito pelo contrário, são ricos, profundos, visceralmente vividos e plenamente cheios...
como tudo que posto, vou montando minha colcha de retalhos que molda meu sentir e meu pensar, ajudando a construir quem eu sou.
=)

super curti e por isso compartilho aqui esse texto, de uma grande reflexão, grande autora! não conheço pessoalmente, só vi em entrevistas pela TV, mas gentem... escreve super bem, essa mulher têm DOIS PÓS DOCs, SABE LÁ O QUE É ISSO????
tem o meu respeito!!!!


BATEU, LEVOU! O QUE DIZEM OS LUTADORES DE MMA(1)


JOANA DE VILHENA NOVAES é Psicanalista. Pós-Doutora em Psicologia Médica (UERJ). Pós-doutora em Psicologia Social (UERJ). Doutora em Psicologia Clínica (PUC-Rio). Coordenadora do Núcleo de Doenças da Beleza do Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa e Intervenção Social, LIPIS da PUC-Rio. Pesquisadora correspondente do Centre de Recherches Psychanalyse et Médecine - CRPM-Pandora. Université Denis-Diderot, Paris VII. Autora dos livros: O intolerável peso da feiúra. Sobre as mulheres e seus corpos. PUC/Garamond (2006). Com que corpo eu vou? Sociabilidade e usos do corpo nas mulheres das camadas altas e populares. Pallas/PUC (2010). Corpo pra que te quero? Usos, abusos, desusos. Em co-organização com Junia de Vilhena.  Appris/PUC (2012). www.joanadevilhenanovaes.com.br E-mail: joanavnovaes@gmail.com


Resumo: Partindo do recente fenômeno de popularização do vale-tudo no Brasil, o artigo tem  como objetivo investigar as representações sociais em torno dessa prática esportiva. Através da escuta de lutadores de MMA buscamos entender uma prática que, cada vez mais, ganha adeptos, admiradores bem como críticos ferrenhos.

Palavras-chave: corpo, disciplina, violência, visibilidade e identidade.

KNOCK OUT! WHAT DO THE MMA FIGHTERS SAYS
Abstract: The article aims to investigate the social representations of the practice of MMA in our society. By listening MMA fighters we seek to understand a sport that, increasingly, gains fans, admirers and critics of all kinds.
Keywords: body, discipline, violence, visibility and identity.

INTRODUÇÃO
Partindo do recente fenômeno de popularização do vale-tudo no Brasil, o artigo tem como objetivo investigar as representações sociais em torno dessa prática esportiva. Através da escuta de lutadores de MMA buscamos entender uma prática que, cada vez mais, ganha adeptos, admiradores bem como críticos ferrenhos. O que significa um corpo que não sabe o que é viver sem dor e no qual a disciplina é assimilada através da luta, foi algumas das indagações que nortearam esse estudo.
Parte de uma pesquisa mais extensa, buscamos, neste trabalho, apresentar de forma bastante resumida, alguns dos resultados que julgamos mais relevantes.
Conforme demonstraram nossos entrevistados, nesse universo o corpo é uma moeda de troca valiosa e devidamente adestrado através de um rígido controle de si, leva à ascensão social.
Além disso, verificou-se que essa prática corporal constitui um importante meio de sociabilidade, contribuindo para a formação de um universo bastante hierarquizado, no qual a transmissão da técnica corporal reforça a construção identitária masculina. Finalmente, desse estudo também derivou uma discussão, bastante polêmica, sobre o estatuto que as práticas de combate assumem no imaginário social: tratar-se-ia, pois, de uma violência gratuita espetacularizada ou destino biológico?

Chegando de mansinho: sobre o reconhecimento do território
O contato com uma academia de MMA (prática que condensa múltiplas artes marciais) é impactante sob vários aspectos: o primeiro é através do olfato, uma vez que a primeira impressão que toma literalmente, de assalto qualquer estrangeiro ao meio, é o forte odor de suor potencializado pela adesão à uma dieta rica em proteínas que muitos desses lutadores fazem uso antes das competições. Esses ambientes rescendem à testosterona, e é justamente ela que nos recepciona fazendo a devida introdução ao universo pesquisado! 
Embora a apresentação do ambiente não seja das mais convidativas, após um tempo no local, percebo que os lutadores constituem um grupo bastante coeso, algo da ordem de uma fratria, irmandade ou mesmo uma família-, ou seja, uma prática cuja disciplina promove o sentimento de pertencimento e que por isso faz com que o sujeito sinta-se acolhido. Pertencimento, aliás, é o sentimento que permeia as diferentes falas como veremos adiante.
Difícil não sentir alguma dose de desconforto em um campo impregnado de significantes tão fortes! Afinal, como nos lembra Bourdieu (1980), - transgressão tem a ver com domínio e sentir-se a vontade está diretamente relacionado a ter familiaridade com as regras do jogo.
Em uma perspectiva sociológica, o “outro” só passa a ser considerado objeto de aceitação ou negação a partir de determinado grau de conhecimento, formulado a priori e numa relação de proximidade (física, cognitiva e moral). O “estranho”, neste caso, é representado pelo “outro-diferente” e pela falta de conhecimento objetivo sobre ele. No entanto, o “estranho”, como já apontava Freud (1919), não é apenas uma representação daquilo que desconhecemos no outro, mas principalmente daquilo que desconhecemos em nós mesmos-, ou ainda, que não queremos reconhecer em nós mesmos. Na ausência de referências, qual seria então a moeda de troca?
Tanto na clínica quanto na prática de pesquisa, aprendi que uma escuta atenta, sensível e acurada pode nos servir de múltiplas formas. Oferecer uma escuta significa valorizar, conferir status ao sujeito e confirmar sua importância. Em um ambiente altamente hierarquizado, coeso e no qual submissão e respeito são palavras de ordem, lição depreendida em uma visita anterior ao universo do jiu-jítsu, esse conhecimento me foi útil para tentar adequar a minha aproximação naquilo que supus fosse, em princípio, um ambiente hostil. Nada mais respeitoso que dar a palavra a quem se dispõe a conosco conversar.
“O treino é duro, tem que ter disciplina até criar resistência, mas somos todos parceiros, temos cumplicidade e respeito, pois isso aqui acaba sendo uma grande família, vira tudo brother, a equipe serve para dar suporte e tem o mestre que nos transmite os seus ensinamentos a cada treino”. (B.6)

Trocando em miúdos: notas sobre o campo e seus personagens
Todo pesquisador tem uma dívida com seus entrevistados e com o conhecimento que produz. Penso ser esta uma prática bastante violenta. Contudo, apesar do preconceito, falta, antes de prosseguir, registrar o meu reconhecimento ao tempo despendido por todos os meus entrevistados nos inúmeros encontros que tivemos.
Ainda que não me tenha sido solicitado, optei por não identificar meus entrevistados à exceção de Giovanni Tonzano(2), dono da Academia Coach, em Copacabana e Claudio Coelho da Academia Nobre Arte, no morro do Cantagalo. Busquei, ainda, retirar qualquer coisa mais específica que pudesse identificar os sujeitos sem, entretanto, prejudicar a essência do que me estava sendo transmitido. Este cuidado, talvez excessivo para muitos, redunda não apenas de minha experiência clinica, como da preocupação em preservar a privacidade dos entrevistados-, sejam eles publicamente conhecidos ou não.

UM CORPO QUE DÓI: HABITUS, RESISTÊNCIA E ADESTRAMENTO
Conforme apontam White, Young & Mcteer (1995), é através dos treinos que o sujeito masculino vai sendo modelado. É também no treinamento que o corpo assimila a disciplina, dando ao atleta o controle de si como tão bem sinalizou Foucault (1985), ao discorrer sobre as tecnologias do eu, relações de controle e domínio em sua genealogia do poder.
Com as técnicas corporais incorporadas e o domínio do corpo, os lutadores adquirem uma valiosa estratégia/capital contra os seus oponentes. Aprendem a controlar a dor, superá-la, neutralizá-la e até mesmo dissimulá-la. Suportam e convivem com a mesma de forma tão intensa e constante que, na sua ausência, desconfiam não estar desempenhando o seu papel corretamente, como nos mostram as falas dos nossos entrevistados, sugerindo estranhamento ao treinar sem dor.
“Vivo com dor, assim é a vida de um atleta e quando não é assim até estranho e desconfio que não ando treinando direito (risos). Treino em média umas oito ou nove horas por dia e nas semanas que antecedem as competições uso o meu corpo até o limite, chego em casa, como, tomo banho, dou um beijo na minha mulher e desmaio exausto, as vezes chego e ela já tá até dormindo, mas é o meu instrumento de trabalho, meio de sustento e a razão de ter conquistado tudo na minha vida até agora. Tá vendo aqui (apontando para o bíceps) faço muita fisioterapia e treino com dor direto, por isso vim enfaixado e com a tipóia.( B.1,  33 anos, lutador de UFC – BTT).

VALE QUANTO PESA: CORPO, DISCIPLINA E CONTROLE DE SI
Das falas apresentadas estas talvez sejam as que mais guardem semelhanças com o campo das academias de ginástica freqüentadas por mulheres de classe média alta. Em estudos anteriores, (Novaes, 2001; 2006; 2007; 2011) ao falar sobre os usos do corpo na sociedade de consumo/cultura carioca, enfatizei a crescente relação persecutória com a balança que fazia, muitas vezes, da malhação o sintoma de uma profunda insatisfação com a própria aparência. Esse desconforto espelhava um agudo sofrimento psíquico que era potencializado pelo horror à gordura do qual somos todos testemunhas.
“O momento da pesagem é tenso, é a única hora em que não gosto e me arrependo de ser um lutador profissional. Chega umas três semanas antes da luta e o corte tem que ser muito radical, tipo assim porque você as vezes tem que perder doze quilos e senão perder é penalizado e não luta. Vai chegando perto da luta o treino intensifica e você vai ficando mais ansioso porque sabe que tem que perder.... é sinistro. Lembro uma vez em Brasília que simplesmente não conseguia enxugar o que precisava pra minha categoria, estagnei no peso, por causa do clima seco eu praticamente não suava nos treinos, por mais que me enchesse de roupa feito hoje   aqui, por exemplo, que estou usando duas camisetas, uma até de manga comprida, que é para aumentar o gasto calórico e eu poder comer algum carboidrato” (B.2)
“Pô essa parte da dieta antes da pesagem é f..... é muita restrição, uma semana antes da luta chego a sonhar com Mc Donald, rola uma fissura mesmo, porque chega assim uns dois, três dias antes da pesagem e é só dieta líquida, isso porque nessas semanas que antecedem você já é obrigado a ir cortando sal ,açúcar, leite e termina só na proteína mesmo. A dieta, antes do combate, talvez seja o que exija mais autocontrole, disciplina e privação do profissional”  (B.4)
Não pude deixar de recordar a fala de uma de minhas primeiras entrevistadas, na época com 16 anos e que me disse: “Não vejo a hora de ficar velha para poder comer uma macarronada sem culpa”. (Novaes 2001:43) Tantos anos se passaram, entrevisto agora pessoas tão diferentes e a sensação da balança perseguindo permanece a mesma!

CORPO: IDENTIDADE, INVESTIMENTO E CONSUMO
Segundo Rodrigues (1986), o corpo, em uma civilização de abundância industrial, tem uma nova tarefa. Ainda que não seja mais um corpo-ferramenta deverá ser um corpo consumidor, individualizado, livre e, sobretudo, cuidado.
Para Rodrigues (op.cit) é fundamental entendê-lo para podermos falar no corpo liberado. Inadequado para as fábricas, para que servirá este corpo moderno?
Não há como ignorar o vetor financeiro uma vez que a indústria da luta (Culto ao corpo, consumo de insumos esportivos + produção e veiculação de imagens violentas que geram altos índices de audiência) vem demonstrando ser bastante lucrativa, movimentando cifras bastante altas, agora disputadas pela grande mídia televisiva que busca deter os direitos de exclusividade de exibição dos combates de MMA. Dentre eles o UFC é o campeonato de maior prestígio, considerado a elite no universo das lutas.
Um capital, ou um tipo de capital, é aquilo que é eficaz em um determinado campo. É ao mesmo tempo a arma e o que se disputa, o que permite a seu detentor exercer poder, influência, e, portanto, existir em determinado campo, em vez de ser uma simples quantidade negligenciável. No trabalho empírico é uma só e mesma coisa determinar o que é campo, seus limites, os tipos de capital atuantes, qual alcance de seus efeitos, etc. Vemos que as noções de capital e de campo são estreitamente interdependentes.(Bourdieu,1980:4).
Trata-se, assim, do corpo como valor e moeda de troca –, capital.
“Se a luta não tivesse me dado a oportunidade de ganhar o mundo e ter mobilidade social talvez estivesse envolvido com o mundo do samba, da malandragem, porque eu ia sempre nos ensaios, meu pai, que é alfaiate, é um cara bem conhecido nesse meio, sei lá.... tenho muito orgulho da minha origem, mas sei que de onde eu vim é preciso ter sagacidade pra sobreviver e se dar bem e a luta me deu isso, viajei, comprei e conquistei coisas... nem sei onde eu estaria se não lutasse e  praticasse o bem.” (B.1)
“Foi com a luta que eu consegui a segurança que não tinha quando era mais novo, quando te disse que era um adolescente inseguro por conta dos meus pais serem separados. Acho que os treinos te dão isso, ele te exige persistência e obstinação para não desistir dos seus objetivos, te dá força, torna o cara resistente é o que eu sempre procuro passar para os meninos da minha equipe. A luta te prepara para ser um ganhador, te faz encarar melhor as revanches da vida, mas ao mesmo tempo te ensina, física e emocionalmente, a suportar melhor as derrotas.” (B1)
“A luta foi muito importante na minha formação, ela ajudou a formatar a minha personalidade e o meu caráter como homem, reforçando valores como a hombridade e o respeito. Além disso, me deu autonomia financeira, reconhecimento, notoriedade e visibilidade até eu poder criar a minha equipe e passar para eles a minha técnica” (B.6)
Nesse sentido, ao falar da formação identitária dentro de grupos sociais específicos, o pensamento de Cecchetto (2004) parece estar bem afinado com a fala do nosso entrevistado, no tocante ao fato dos esportes de combate potencializarem habilidades baseadas na resistência e na técnica. Esses atributos comparecem no discurso dos lutadores através da crença de que buscar a vitória nos combates, interfere na própria formação, fazendo com que o sujeito desenvolva características de personalidade, tais como a tenacidade e a obstinação.

DE VOLTA À ARENA ROMANA: VIOLÊNCIA GRATUITA OU DESTINO BIOLÓGICO?
Segundo Jurandir Freire Costa (1985), a violência pode ser definida pelo desejo de humilhar e degradar o outro. É porque o sujeito violentado (ou o observador externo) percebe no sujeito violentador o desejo de destruição (desejo de morte, de fazer sofrer) que a ação agressiva ganha o significado de ação violenta. Não existe violência sem desejo de destruição. A violência definida como agressividade e equiparada a um impulso instintivo e termina por ser trivializada.
Escolhemos a definição do autor para iniciar o que talvez seja a categoria de análise mais polêmica desse estudo, já que a não é mistério a crença de muitos e o discurso partilhado por outros tantos acerca das lutas como um exercício de violência gratuita e espetacularizada: a volta à arena romana.
Relendo o texto freudiano, ao mesmo tempo em que traz as concepções de Hanna Arendt sobre a relação da violência com o poder, Costa (op.cit) vai nos conduzindo ao caminho da violência como desejo, jamais como algo “irracional” ou da “natureza humana”.
Para o autor a banalização da violência é, talvez, um dos aliados mais fortes de sua perpetuação A resignação de que somos "instintivamente violentos" faz com que o homem se curve a uma inexorabilidade igual à da morte. Faz dela seu "destino biológico" ou o princípio e o fim de seu destino psíquico, social ou cultural. Não há, portanto, violência instintiva, porque falar de violência é falar de uma intenção de destruir.
Violência é, então, o emprego desejado da agressividade, com fins destrutivos. A irracionalidade do comportamento violento deve-se ao fato de que a razão desconhece os móveis verdadeiros de suas intenções e finalidades. Esta definição nos será útil ao interpretarmos as falas de nossos entrevistados.
Em suas falas percebemos como a “violência da luta” não é, de forma alguma, percebida como um ato violento - quando muito, trata-se de agressividade inerente a todo ser humano.
A argumentação é a da existência de inúmeras regras e normas que, caso não respeitadas, penalizam o lutador, impedindo/balizando os chamados impulsos violentos que possam, por ventura, partir deles. Ou seja, o argumento da “gratuidade, violência e barbárie” é combatido em face de existência de uma lei.
“A maioria das pessoas acusa o vale-tudo de ser um esporte violento, mas desde os gregos todo mundo adora ver porrada – foi e sempre será assim. É o institnto animal que todo homem tem. Não é violência é agressividade, luta pela sobrevivência, a parada é biológica – violência é estuprar, roubar, matar –  o MMA é um esporte, tem regras que se não forem respeitadas o combate é interrompido na hora visando preservar a integridade física dos atletas”. (Giovanni)
"Essa imagem que as pessoas têm do lutador porradeiro, marginal e bandido é que estigmatiza a gente! Você veio aqui entrevistar a gente com essa ideia também? Acha a mesma coisa que apareceu outro dia na matéria da Rede TV? Essa imagem tem a ver com aqueles pitboys de classe média, zona sul, na década de noventa que ficavam deslumbrados com as técnicas que aprendiam com o jiu-jitsu e saíam brigando em boite”.(B.1)
Outro argumento bastante utilizado nas respostas dos lutadores e treinadores entrevistados foi a menção à teoria Darwiniana na intenção de dar sentido à prática esportiva desses embates. A noção evolucionista de que somente o mais forte e apto deve sobreviver, parece pautar a lógica desse campo - a luta reproduziria, assim, o show da vida na sua luta pela sobrevivência: que vença o mais forte!
“Mas acho que na luta é como no reino animal, sobrevive o mais forte, o mais apto. Na verdade com a evolução da espécie humana também foi assim, não mesmo? Prevaleceu o mais resistente, o mais sagaz, o mais forte...."(B.3)
Para Hanna Arendt o argumento que faz da agressividade instintiva, do "componente animal no homem", a causa da violência, baseia-se numa redundância do tipo "o homem comporta-se como um animal porque é um animal". Segundo a autora:
Para saber que o povo lutará por sua pátria não precisamos descobrir instintos de territorialismo nas formigas, peixes e macacos; para aprender que a superpopulação resulta em irritação e agressividade, não temos que fazer experiências com ratos. Basta passar um dia nos cortiços das grandes cidades (1979:139).
Sobre o imaginário popular e as representações sociais das artes marciais nas classes populares nos fala Claudio Coelho, - dono da academia de boxe Nobre Arte e responsável por um projeto social (e de vida) que tem como objetivo ensinar essa prática esportiva aos jovens daquela comunidade. Com seu tom de voz quase sempre gritado, denotando aspereza e calejamento, o treinador combate a noção de violência gratuita que é atribuída ao esporte, revelando que a luta pode configurar uma das estratégias de sobrevivência em um território que não dá a todos as mesmas chances de competitividade e, portanto, possibilita aos jovens encontrar no esporte, muitas vezes, uma possibilidade de vencer as adversidades.
“As pessoas acusam a luta de ser um troço violento, achavam que era coisa de marginal. Violento é o mundo, isso aqui é a saída do inferno, que a vida por aqui pode se tornar para muitos desses meninos. Poderia te contar uma infinidade de histórias de meninos que a luta fez renascer. Vou lhe ensinar uma coisa, aqui funciona assim, minha querida: no asfalto, quando algo dá errado em casa, a meninada sai dando porrada na rua, aqui, dá em tiro mesmo, é pá, pum, vacilou dançou, não tem essa de trabalho comunitário não, é cadeia mesmo – é a lei do cão. É por essas e outras que a cada. menino que conseguia tirar do tráfico era uma vitória, um assalto ganho na luta. Vir aqui lutar para esses meninos não significa aprender a sair dando porrada a torto e a direito, significa passar a ter alguém que se preocupa e se interessa pela vida daquele moleque, que muitas vezes é caótica, sem perspectiva. É também e, acima de tudo, passar a ser enxergado, por isso que eu grito e cobro, dentro e fora do treino. É também obriga-los a frequentar a escola antes de treinar, eu tenho esse dever com a formação deles, muitas vezes eles chegam aqui meio gente, meio qualquer coisa e saem homens, esse é o meu maior orgulho!. O garoto passa a ter aqui, uma família estruturada e pai de verdade, que ama, cobra, grita e tem que ser duro, as vezes implacável e muito agressivo. Eu falo a língua deles porque vim do mesmo lugar e sei que mundo aqui em cima é mais duro, dói e cria feridas, para sobreviver tem que ser casca grossa! -  tenha sempre isso na cabeça quando for escrever essa sua pesquisa aí”. (Claudio Coelho)
Conforme pudemos observar, aqui o argumento da lei é novamente trazido à tona. Entretanto, ao invés de remeter às rígidas regras do universo esportivo, em função de demandas e carências inerentes ao meio, parece cristalizar-se na figura do treinador que assume uma função paterna organizadora. Nesse novo código interpretativo, o limite imposto pela disciplina é interpretado como um amor que retira crianças e adolescentes de um universo precário, muitas vezes de desamparo absoluto e no qual a estratégia de sobrevivência são as redes de solidariedade. Não à toa, uma das primeiras inscrições que é possível ler nas paredes da academia do Cantagalo, refere-se ao fato da solidariedade ser um esporte coletivo, - sentimento que posto em prática e vivenciado pelo sujeito, ameniza a dor de outro tipo de violência, bem como de toda sorte de privação, dessa vez não somente concretas, mas sobretudo, simbólicas!

Considerações finais
Ao final da pesquisa realizada não me tornei uma fã das lutas e, certamente, creio que há outras formas de inserção, reconhecimento, visibilidade e ascensão - poucas é verdade. Ainda vejo a luta como extremamente violenta e lamento que sua espetacularização reflita tanto os tempos em que vivemos.
Mas, se há algo que venho aprendendo nestes anos em pesquisas de campo é que se não tivermos uma escuta atenta e respeitosa perderemos o que há de singular e único em cada um de nossos entrevistados. Isto não significa deixar de ser crítica. A grande maioria de meus entrevistados, mesmo na brutalidade de seus ofícios como lutadores, sempre demonstrou uma imensa delicadeza e atenção para com todos no seu entorno (fora da luta - é obvio!) e um profundo respeito com as regras estabelecidas. Sejam elas as da luta sejam as de minhas entrevistas.
Não há dúvida que a luta, com tudo o que esta implica (grupo, regras, disciplina, valorização e recompensa) foi um fator redentor e/ou de mudança e/ou salvação para muitos destes homens; assim eles nos falam todo o tempo. Nesse sentido suas falas espelham o imaginário social sobre o “Lutador Ideal”, revelando elementos, aparentemente, consensuais sobre essa figura.
Os esportes de combate, com ou sem armas, evocam uma habilidade baseada na força e na técnica, atributos que seus praticantes acreditam que devem possuir e adquirir para construir socialmente sua masculinidade. Demonstrar tenacidade e determinação seriam os aspectos exigidos dos homens ao buscar a vitória no combate, valores também conhecidos como "garra" ou força de vontade para vencer (Cecchetto, 2004, p. 142).
Igualmente digno de nota é a importância do grupo e da relação coesa entre seus membros, na transmissão dessas representações. Os valores, as normas e a própria percepção do que significa ser um lutador é assimilada e reiterada, cotidianamente, na prática (treinos), através da introjeção e aceitação da hierarquia e a partir da transmissão dos ensinamentos por parte dos lutadores mais experientes em relação aos mais novos, conforme demonstra a fala de todos os entrevistados que afirmam o papel da luta na formação da personalidade, do caráter e da masculinidade.
Mas é a fala de Claudio Coelho(3) que me toca de forma muito singular. Isso aqui é a saída do inferno que a vida por aqui pode se tornar, para muitos desses meninos. Penso que não sem razão me lembrei das palavras de Simone Weil acerca do desenraizamento. Ser é pertencer e para pertencer é preciso acreditar que vale a pena criar raízes. Infelizmente, tal só é possível através da demonstração do interesse, por parte de alguém ou de um grupo, no estabelecimento e manutenção desses vínculos em relação ao sujeito. Nesse sentido, alguém que fale a mesma língua e use o mesmo código, converte-se em um solo fértil para que as raízes possam ser fincadas.
E aí permanece minha indagação: será apenas através da luta que a disciplina, o grupo, a visibilidade social, a ascensão e o pertencimento serão possíveis?

NOTAS:
(1) Trabalho apresentado no V  Congresso Internacional de Psicopatologia Fundamental, realizado em setembro de 2012. Fortaleza.
(2) Devo a Giovanni grande parte de minhas entrevistas e a inserção mais facilitada no mundo da luta.
(3) O boxe constitui uma das modalidades de luta presentes nos treinos de MMA. Para uma descrição mais detalhada do projeto e dos vários depoimentos, ver (Novaes, 2012).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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